3.2.14

Manuel Serra morreu há quatro anos



Já com algum atraso, recordo que Manuel Serra morreu há quatro anos, em 31 de janeiro de 2010 – o tempo passa depressa. Porque nunca é demais recordar os grandes lutadores antifascistas, retomo, em parte, um texto que então escrevi.

Foi na Juventude Operária Católica que, aos 17 anos, Manuel Serra tomou consciência da pobreza, da repressão e das injustiças que o rodeavam.

Já como oficial da marinha marcante, integrou-se na corrente mais extremista da campanha de Humberto Delgado para a presidência da República, em 1958, onde defendeu o recurso à luta armada para o derrube do regime.

Na noite de 11 para 12 de Março de 1959, chefiou os civis no falhado Golpe da Sé, sendo detido e levado para o Aljube onde permaneceu seis meses, depois de cinco dias de tortura de sono. Numa primeira fuga espectacular, saiu pelo seu pé do Hospital Curry Cabral onde se encontrava internado: vestido de padre, seguiu directamente para a embaixada de Cuba em Lisboa e pediu asilo político. Apesar de vigiado em permanência por quatro agentes da PIDE, chefiados por Rosa Casaco, estudou um novo plano de fuga, mudou de visual muito rapidamente, cortando o cabelo e a barba, e aproveitou uma mudança de turno para sair em pleno dia para a embaixada do Brasil, já que o seu objectivo era precisamente juntar-se a Humberto Delgado naquele país.

Partiu em Janeiro de 1960 e foi no Brasil que começaram os preparativos para o que viria a culminar no Golpe de Beja, em 1 de Janeiro de 1962. Depois dos factos que são do conhecimento público, relacionados com o falhanço do golpe em questão, Manuel Serra tentou esconder-se no Sul do país, mas acabou por ser detido em Tavira. Seguiu-se um mês de grande violência, com tortura de sono e espancamentos, um julgamento com condenação a dez anos de prisão e longas estadias em Peniche e em Caxias. Liberto no início de 1972, foi ainda detido por um curto período em Novembro de 1973. Tudo somado, quase doze anos passados em prisões da PIDE.

A seguir ao 25 de Abril, foi um dos fundadores do MSP (Movimento Socialista Popular) que mais tarde se integrou no Partido Socialista como grupo autónomo, mas divergências internas e controvérsias atribuladas precipitam a saída, em Janeiro de 1975, para a criação da FSP (Frente Socialista Popular). No quadro deste pequeno partido, participou nas campanhas de Otelo Saraiva de Carvalho para a presidência da República e, em 1980, foi um dos fundadores da FUP (Força de Unidade Popular).

Ficou na história dos belos lutadores da resistência em Portugal, que aliaram a coragem à aventura e até ao prazer do risco, e dava jeito que ainda por cá andasse. Na memória dos que o conheceram pessoalmente – e eu conheci-o bem – restará um enorme sorriso e um coração do tamanho do mundo. Será sempre assim que o recordarei.

(Fotografia e fonte para a elaboração deste texto: Rui Daniel Galiza e João Pina, Por teu livre pensamento. Histórias de 25 ex-presos políticos portugueses, Assírio & Alvim) 
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