9.4.14

A última acção armada contra a ditadura – 9/4/1974



Os principais alvos das organizações de luta armada, que surgiram em Portugal durante o marcelismo, enquadravam-se no protesto contra a guerra colonial. Com uma população desesperada e exausta por partir e ver partir os seus para uma terrível aventura sem fim à vista, tudo o que fosse atingir símbolos da política colonialista da ditadura tinha uma grande repercussão e era objecto de um significativo regozijo, mesmo que discreto e silencioso.

Foi o caso com a acção de sabotagem ao navio Niassa, no dia 9 de Abril, no Cais de Alcântara em Lisboa, no momento em que ia partir para Bissau com um contingente de soldados. Tratou-se de uma iniciativa das Brigadas Revolucionárias (BR) que avisaram a PSP do porto de Lisboa uma hora e quinze minutos antes, para que o navio fosse evacuado.

Há na net vários testemunhos de militares que se encontravam a bordo. Um exemplo:
«Para todos nós que íamos para um cenário de guerra, durante a nossa instrução já tínhamos assistido a rebentamentos de granadas, morteiros etc. mas sempre em situações controladas.
Este rebentamento para todos os presentes foi, surpresa seguida de um descontrole, mas para quem preparou a acção foi controlo completo.
O local onde foi colocado o engenho explosivo assim como a hora da sua detonação foi de tal forma feito a não permitir qualquer baixa, mas não evitou a perda, total ou parcial das bagagens dos companheiros que iam nesse porão.
A explosão verificou-se num dos porões mesmo junto da linha de água, fez um rombo de cerca 80cm nas duas chapas de ferro.
Depois do navio estar completamente evacuado, foi adernado por forma a evitar entrada de água no porão e entretanto começaram a reparação do rombo na parte exterior.
Até à meia noite tivemos de embarcar e na manhã seguinte quando acordamos estávamos no meio do Tejo junto à Ponte.
Neste dia tive oportunidade de me deslocar ao local da deflagração e verifiquei os estragos que provocou.
O rombo interior estava a ser reparado nesta altura.
Na manhã do dia 11 de Abril quando acordámos já navegávamos em alto mar.»

Outro testemunho aqui.

E os preparativos da acção, descritos por quem neles esteve envolvida: 
«A bomba foi dentro de um colete meu. Eu tinha um fato com um colete integrado. Nós cortámos o plástico em fatias e enchemos o forro desse colete, que por sua vez, foi dentro do blusão do militar que transportou a bomba para dentro do navio. Lembro-me de nos preocuparmos com o facto de ele ter de se abraçar à família antes de partir. A bomba não ia explodir, mas a carga plástica ia nesse colete que ele levava vestido e, ao ser abraçado, a família podia aperceber-se de algo anormal.» In Isabel Lindim, Mulheres de Armas, p. 215.
Laurinda Queirós, a «Branquinha», militante das BR, 23 anos em 1974, estudante de Medicina, hoje médica no Porto.

Julgo que tudo isto pode parecer muito estranho para quem tenha hoje 23 anos. Ou mesmo 43. A muitos de nós, então jovens, moldou-nos o resto da vida. 
.

6 comments:

Victor Nogueira disse...

Bem, as acções armadas contra a ditadura ainda se verificaram nas colónias e pelos movimentos de libertação até 25 de abril de 1974, tendo mesmo de prosseguir depois dessa data até que spínola e a parte do MFA que o apoiava tivesse sido forçados a reconhecer o direito à autodeterminação e à independência, abandonando de vez as teses federalistas e neo-colonialistas. É que aos Movimentos de Libertação cabe, a meu ver, uma quota-parte importante no derrube do fascismo em Portugal.

Joana Lopes disse...

Claro que tem razão, Victor Nogueira! É óbvio que estava a excluir as colónias, quando falei da «última» acção.

septuagenário disse...

De todos os movimentos que lutaram contra o colonialismo português tinham dirigentes que foram uns formados na mocidade portuguesa, outros funcionários coloniais, e muitos universitários com bolsas pagas pelo Estado Novo.

E, de todos os movimentos, UPA, FNLA, FRELIMO, PAIGC, MPLA, UNITA, MLSTP, etc., porque há alguns nados-mortos, há um que se gaba que todos os outros lhe devem a vitória e os portugueses lhe devemos o 25 de Abril.

Esse movimento é o PAIGC.

E na realidade foram eles que terão em Guidage levado Salgueiro Maia e outros a ter uma das mais terríveis batalhas sofridas nos 13 anos da guerra do Ultramar.

Depois de uma batalha contra cubanos, caboverdeanos e russos, na fronteira do Senegal com a Guiné, o Largo do Carmo terá sido uma situação bem tranquila como podemos ver no semblante das fotos de Salgueiro Maia desse dia.

Cada um terá direito ao seu 25 de Abril, mas os Caboverdeanos do PAIGC e Salgueiro Maia foram bem decisivos.

Victor Nogueira lá sabe!

Joana Lopes disse...

Manuel Duran Clemente deixou o seguinte comentário no FacebooK: «Esclareço que na GUINÉ depois do 25 de Abril só houve uma acção armada da qual resultou um morto. Das conversações clandestinas de Fabião com o PAIGC resultou não haver mais acções. Isto para esclarecer um comentário errado colocado no Blogue!!![Refere-se oa de VN]»

septuagenário disse...

Depois do 25 de Abril, se VN não sabe e se Duran Clemente não se lembra, houve muita bandalheira das chefias militares que levou ao abandono de fardas, de quartéis, de civis desde o Minho a Timor.

Não ficou nenhum cangalheiro nem nenhum delegado de saúde para enterrar e passar certidões de óbito.

Mas a guerra (mortes) não acabou à meia noite do 25 de Abril, embora as chefias "tugas" tenham ensarilhado as armas, sem falar nas que foram simplesmente abandonadas sem qualquer noção de responsabilidade e vergonha na cara.

Victor Nogueira disse...

Não quero entrar no diz que não diz. Mas não falei nem em mortos nem especificamente em qualquer colónia e muito menos na Guiné.

Spínola tentou empalmar o 25 de Abril e contrariar o Programa do MFA, incluindo procurar fazer vingar as suas teses "federalistas" e neocolonialistas. A cada um cabe o seu papel na história, sejam a(os vários) MFA, sejam Salgueiro Maia, os "esquecidos" Melo Antunes, Costa Gomes ou Vasco Gonçalves, entre muitos outros, cada qual com a sua “pureza”, sem esquecer e sobretudo os milhares de civis que “em desobediência” e nas ruas de Lisboa cercaram 2 pilares do fascismo - o Quartel do Carmo e a sede nacional da PIDE - e a quem cabe o elevado mérito da 1ª travagem aos desígnios de Spínola, que se reclamava da "pureza" original do MFA e pretendia evitar que o poder caísse na rua. Porque se foi importante obter uma insólita “rendição” de Marcelo e a entrega por este do poder a Spínola – porque terá a PIDE sugerido a Marcelo e não a Tomás que se recolhesse ao Carmo e não a Monsanto ? - a verdade é que importantíssimas foram as ocupações do Aeroporto de Lisboa (e a interdição do espaço aéreo), a ocupação das instalações da Rádio e da TV (que impediram a sua eventual utilização pelas forças do Governo e possibilitaram a sua utilização pelo MFA) e a neutralização da fragata Gago Coutinho, no Tejo. Por alguma razão em 25 de Novembro os “nove” e a heterogeneidade que os apoiava, entre os quais Salgueiro Maia, conseguiram que por Costa Gomes fosse decretado o estado de sítio na região da Grande Lisboa (RML) e o black-out noticioso.

A Guiné para Spínola e Marcelo estava perdida. Talvez também Moçambique, Mas não a "jóia" da Coroa, Angola, onde teve início a Guerra Colonial. E assim como o povo de Lisboa "desobedeceu" e saiu à rua, os Movimentos de Libertação não depuseram nem entregaram as armas.

No meu comentário limito-me a referir que o triunfo do 25 de Abril não se deve apenas a uns, antes lembrando outros, aqueles que de armas na mão nas colónias também defrontavam o Estado Português e as forças armadas que de facto eram de ocupação. E não falo nos mortos, de ambos os lados, incluindo Amílcar Cabral ou Eduardo Mondlane, embora a história registe que houve demasiados, mesmo depois do 25 de Abril, até que Spínola e as forças que o apoiavam se viram forçados a reconhecer o direito à autodeterminação e à independência que Spínola havia conseguido na noite do 25 de Abril fosse retirado do documento original do MFA.

Não vejo pois o que está “errado” no meu breve comentário que duas réplicas obtiveram, na origem desta tréplica.

E foi para mim muito elucidativo ler, “testemunhos” em “Os Anos de Abril”, acabada de publicar, bem como “ver” na obra de Alfredo Cunha e Adelino Gomes, os depoimentos dos “rapazes dos tanques”, de oficiais a praças, sobretudo no que se refere a “o melhor do 25 de Abril”, “o pior” e as “figuras” que cada um dos que dão testemunho destacam em 40 anos. É verdade que serão apenas “histórias” e não a “História”.

Mas penso que este assunto está perfeitamente esclarecido. O resto, não se resolve na blogosfera, mas na vida real com as acções concretas e suas consequências, certas ou erradas conforme o lado da barricada, a perspectiva no percurso do comboio, com as diversas estações, apeadeiros e ramais mais ou menos secundários face ao destino final. Não o mesmo para todos os passageiros que vão entrando e saindo ao longo do(s) percurso(s).

E citando-me: “ aos Movimentos de Libertação cabe, a meu ver, uma quota-parte importante no derrube do fascismo em Portugal”.

Sem acrimónia