Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1, a propósito do desaparecimento, da fachada da ex-sede da PIDE/DGS, da placa com os nomes dos mortos de 25 de Abril:
- Quantas mortes são necessárias
para que a sua memória seja guardada e respeitada?
- Depende. Próximo de nós ou
longe de nós?
- Varia?
- Claro. Próximo de nós, um pode
ser bem mais que suficiente. Longe, não basta.
- Como não basta?
- Um jornalista inglês, McLurg,
falando daquilo que Eça de Queiroz descreveu, em Cartas de Paris, como a «abominável
influência da distância sobre o nosso imperfeito coração» e em teorias da
comunicação se diz lei da proximidade espacial ou geográfica, criou mesmo uma irónica
escala de noticiabilidade relativa para os desastres, em que um europeu
equivale a 28 chineses, e a que o jornalista Daniel Ricardo se refere, também
com ironia, como fórmula de número de mortos por quilómetro.
- Tudo depende então da
distância?
- Não só. Há outras proximidades.
De tempo, de cultura, de afinidade. Por exemplo: excepto em casos de Censura,
um morto das “nossas” tropas vale sempre mais, muito mais, em termos
noticiosos, que todos os mortos do “in” – ou, até, desses civis que como
cantava Zeca Afonso, “morrem sem tal saber” e nunca passam da categoria de
“danos colaterais”. Mas, em Leçon de Choses, traduzido por David
Mourão-Ferreira, Guillevic escreveu, O
sangue de um morto por acidente/ Não é o mesmo, na rua,/ Que o de um morto pela
liberdade, / Derramado na mesma rua. //Tem cada qual um modo particular //De
ser vermelho e de gritar.”
- Deve ser isso que mos torna tão próximos, a esses
mortos frente à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, a 25 de
Abril de 1974.
- Mas parece que teriam tido que
ser mais, para conquistar o direito à memória.
Um seria bastante, mas pelos
vistos há quem os considere tão poucos que não merecem ser recordados numa
placa no condomínio em que este país amnésico permitiu que se transformasse o
que deveria ter sido, obviamente, um espaço de memória da Resistência.
- Quantos te parece então que
teriam de ter sido, para não tentarem retirar de vez em quando a placa?
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8 comments:
Nos tempos que correm, em que dos documentos do 1º Ministro e de muitos ministérios são timbrados não como "República Portuguesa" mas sim "Governo de Portugal", em que se "eliminam" feriados e não por acaso esses são os da Proclamação da República e o da Restauração da Independência, a "reincidente eliminação de certas lápides memoralísticas não surpreende. quando até o próprio edifício foi arrasado pelo proprietário - para dar lugar a um condomínio de luxo - que me parecer ser ou ter sido a Fundação da Casa de Bragança a que pertence um cidadão chamado Duarte Pio, pretendente a um (por enquanto) inexistente Reyno de Portugal.
Sobre esta ideia de que "eram precisos mais mortos" para que a memória fosse mais viva, há muito que penso que especificamente sobre este caso há uma lacuna de memória dos que fazem por a preservar: a dos feridos!
É que houve dezenas de feridos a tiro, também!
Um deles - melhor dizendo, uma delas - foi uma amiga chegada, que apanhou duas balas, felizmente não fatais, e que esteve por isso uns tempos no hospital Curry Cabral...
Haverá registo desses feridos?
A quem interessa que os Pides que dispararam e os mortos e feridos desses disparos, continuem gente anónima e esquecida?
A quem interessa que só ao fim de 40 anos se sabe quem foi o soldado que não disparou o carro de combate contra Salgueiro Maia?
Porque é que não há uma placa com todos os nomes de soldados, sargentos e oficiais que acompanharam Salgueiro Maia, em Santarém e no Largo do Carmo?
Penso que somos todos uns mentirosos.
Encontrei esta lista dos feridos pela PIDE. Penso que está muito completa (já li que foram 45), mas contém o nome da minha amiga que apanhou com as 2 balas. Uma furou-lhe um seio, a outra a cintura de lado. Não se lembra de quando foi atingida, mas acha que foi quando ia no ar a atirar-se para o chão, para a traseira de um VW estacionado na rua.
Aarão de Almeida, de 44 anos;
Agostinho Manuel Soares, de 18 anos;
António José Santos Lima, de 17 anos;
António Maria da Cruz, de 18 anos;
António Pereira Esteves, de 35 anos;
António Ribeiro, de 20 anos;
Armando de Jesus Lopes Afonso, de 17 anos;
Armindo Fernandes de Oliveira, de 16 anos;
Camélia Ferreira Pimenta, de 23 anos, residente no Barreiro;
Fernando Simão Martins, de 16 anos;
Francisco José da Silva Ramos;
Joaquim Inácio Ruivães Cristo, de 19 anos;
Jorge Salgueiro Costa, de 24 anos;
José Dinis Pereira, de 26 anos;
José Luís Bernardes Fernandes, de 19 anos, residente em Oeiras;
José Luís Gutierres, de 19 anos;
Luís de Oliveira, de 20 anos;
Manuel Pereira Alves, de 24 anos;
Maria da Conceição Neto, de 20 anos;
Maria dos Anjos Afonso Santos Martins, de 21 anos, residente na Póvoa de Santo Adrião;
Maria Manuela Cortes Flores, de 23 anos;
Rogério Paulo Osório, de 18 anos;
Rui Eduardo Alves Morais, de 19 anos.
Obrigada, Pinto de Sá. Posso saber qual a fonte disto? É que seria interessante divulgar. E, já agora: posso referi-lo como «fornecedor» da informação?
Interessante, a lista dos feridos, e não devemos esconder, já somos três saber, eu por mim vou divulgar.
Falta a lista os Pides que deram os tiros, porque também pertencem à história.
E ainda falta a lista dos companheiros de Salgueiro Maia.
Talvez chegue aos ouvidos de algum presidente de câmara que queira perpetuar publicamente estes nomes.
Em Largos, Praças ou Ruas.
Joana, tirei isto de um blog memorialista de um antigo m-l que tem uma grande colecção de recortes de jornais. Claro que portanto não é fonte confirmada, mas: a) Recordo-me de que essa lista saiu nos jornais da época, e que aliás foi assim que soube que a minha amiga estava hospitalizada e a pude ir visitar ao Curry Cabral; b) a inclusão dessa minha amiga (São Neto, hoje cidadã angolana) é uma confirmação circunstancial razoável. O link para o blog é este: http://escavar-em-ruinas.blogs.sapo.pt/17840.html
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