7.4.14

Turismo «poucochinho»

Abri a Revista do Expresso do passado Sábado e tive um sobressalto de esperança quando vi que a crónica de Clara Ferreira Alves (CFA) era sobre «Um dia da vida no Camboja» e, ainda mais, ao perceber que ela tinha estado em Tonlé Sap: finalmente, alguém ia certamente partilhar o verdadeiro murro no estômago, que foi, para mim, passar umas horas naquele que é o maior lago de água doce do Sudoeste Asiático, onde vivem milhares de pessoas numa situação de miséria quase inimaginável.

Em barracas, sobre estacas ou flutuantes, acumulam-se famílias cheias de filhos e até de animais, sem quaisquer condições de higiene, com esperança de vida abaixo dos cinquenta anos. Já descrevi várias vezes, neste blogue, que vi pessoas beberem a água poluidíssima do lago (e é com ela que se cozinha e que se toma banho), um curral flutuante amarrado a uma casa com quatro porcos lá dentro, crianças, mais ou menos esfarrapadas, que saltam de tudo o que é buraco e que, frequentemente, caem à água e se afogam. Devo dizer que estas imagens ficaram entre as piores que guardo das muitas viagens que já fiz e que voltei a terra com um sentimento de compaixão e de revolta indescritíveis, pelo horror que vi num país terrível, já tão castigado pela sua História, paupérrimo e quase sem velhos, já que 20 a 25% da população desapareceu em consequência da acção dos Khmers Vermelhos, em apenas quatro anos.

Erro meu quanto ao texto de CFA. Ela diz que «nunca devia ter feito esta viagem» (a Tonlé Sap), não por ter de lá saído impressionada como eu, e como vários amigos que comigo viajavam, mas porque o motor do barco onde a levaram não pegou, porque «o rio é tão estreito que os barcos roçam uns nos outros ou marram, arrancando-se pedaços» e porque teve de «desatar aos berros» até conseguir saltar para um outro barco, onde um russo se transformou em seu salvador até que conseguisse chegar a terra firme. Tudo isto porque tinha decidido armar em esperta (digo eu...) ao fazer a viagem sem aceitar um guia ou integrar um grupo e só depois ter sabido que «há esquemas variados para turistas solitários, sem guia e sem tour oficial. Na estação seca, os turistas são escassos e a fome aumenta». E de que maneira... 

A frieza pura e dura. De uma das nossas mais reputadas cronistas, da qual eu esperava que não se limitasse a fazer este tipo de turismo – tão pequeno, tão «poucochinho». (*)



(*) O texto de CRA pode ser lido aqui.
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