Finalmente, no rescaldo das Europeias, um texto sobre as esquerdas com que concordo integralmente. (Os realces são meus e assinalam o que me parece ser o cerne de algumas questões.)
Adelino Fortunato, hoje, no Público:
O fascínio pelo PCP
O fascínio pelo PCP
A subida de votação nas europeias e uma aparente coerência do discurso de tom crítico em relação ao euro estão a dar ao PCP uma oxigenação política que há muito não sentia. Observadores de vários quadrantes não se cansam de elogiar o desempenho da CDU.
O caso não é para menos, considerando o acréscimo de mais de 35000 votos em relação a 2009, num contexto marcado pela abstenção e pelas ameaças populistas, e considerando que o PCP não costuma tirar partido da volatilidade eleitoral e das transferências interpartidárias, uma vez que a sua arma principal reside no efeito fidelidade de uma base de votantes fixa.
Porém, a maioria das vozes citadas não faz referência ao aspecto que melhor justifica aquele resultado. Um período de refluxo político e social e a austeridade violenta de um governo de direita sem oposição significativa do PS, deixam todo um espaço para organizar a resistência. E o terreno da resistência é o preferido pelo partido de Jerónimo de Sousa, construído numa lógica de fortaleza permanentemente atacada durante todo o Estado Novo e de fortaleza sitiada no regime que se instituiu após o 25 de Novembro. Acresce que o PCP dispõe de um poderoso instrumento de mobilização de massas, a CGTP, que lhe permite utilizar o calor das lutas de rua canalizando-as para a pressão institucional e para o fortalecimento da sua imagem.
Tudo isto tem um preço absolutamente calculado e bastante conservador. O PCP enquadra as mobilizações e acaba por esgotá-las num ponto em que nada mais resta senão a indignação contida e a sugestão de que votar CDU é a forma de “condicionar” (expressão em voga nalgumas sensibilidades) um futuro governo PS. Que o digam os movimentos sociais, eles próprios afundados naquela exaustão, anulando-se assim uma concorrência incómoda! E será com este hipotético “condicionamento” que António Costa tentará jogar, se vier a ser primeiro-ministro, para neutralizar a oposição à sua esquerda por intermédio de um acordo com os parceiros sociais que salve a face de ambas as partes, mas que não abdicará do essencial da austeridade. Ninguém melhor que ele para fazer isso.
O problema é que a experiência do PCP não é possível de replicar por quem quer que seja, faltar-lhe-á sempre a história, a implantação e os instrumentos de enquadramento das lutas essenciais àquele jogo de cintura. Mas também não seria desejável que isso acontecesse, por que a fractura política que a suporta só tem servido para manter a base do PCP imune às influências exteriores. E num contexto em que a destruição do Estado Social está na ordem do dia e em que outras ameaças ainda mais sérias podem vir a emergir, impõe-se lutar inequivocamente contra a austeridade da direita e aquela que a direcção do PS se prepara para adoptar, mas impõe-se também uma proposta agregadora e mobilizadora do conjunto da esquerda.
Essa proposta, construída em torno de um programa de luta contra a austeridade e o Tratado Orçamental, deveria merecer a melhor atenção de todos os socialistas críticos, do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e restantes formações de esquerda, movimentos sociais e associações que se revejam nestes objectivos. Para contrariar a descrença e a passividade faz falta algo de novo que combine a combatividade e a firmeza com a abertura à unidade e a sugestão de eficácia que ninguém hoje isoladamente pode assegurar. E o fascínio pelo PCP não ajuda a resolver este problema.
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