«O mistério do pragmatismo político foi, um dia, exemplarmente explicado por Groucho Marx: "Estes são os meus princípios; mas estou disposto a modificá-los". (...)
O Governo português, sabe-se, é marxista, na versão Groucho. Muda de princípios da mesma forma que muda de perfume. Chama a isso pragmatismo liberal. Há quem lhe chame o caos desorganizado. Freguês da dívida, Portugal está hoje refém do Tratado Orçamental, que prevê que cheguemos a 60% de dívida pública máxima e a 0,5% de défice do PIB. Uma miragem, todos sabem, já que mesmo com a austeridade a dívida continua a crescer e o crescimento económico é tão anémico que nem daqui a 50 anos pagaremos a dívida com estes juros. (...)
Quando 70 personalidades pediram há alguns meses a reestruturação da dívida, o Governo jurou que isso só aconteceria por cima do seu cadáver. Porque, segundo ele, isso devoraria a credibilidade do país. (...)
No fim-de-semana passado, Maria Luís Albuquerque, estrela em ascensão no PSD, abriu a janela para a corrente de ar: a questão da renegociação da dívida, afinal, deve ser debatida no Parlamento. Ou seja, os princípios de ferro do Governo são agora de manteiga. Porque a dívida não pára de crescer. As leis da política, sabe-se, fizeram-se para ser alteradas pela conjuntura eleitoral. E pelos sinais que vêm da sede do BCE. Mas o Governo escusava de ser afilhado de Groucho e mudar de princípios sem achar que, assim, deve levar pimenta na língua.»
Fernando Sobral
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