13.12.14

Espírito Santo versus Medici



«Antes de morrer, em 1429, Giovanni di Medici, disse aos filhos: "fiquem fora do olhar público". Quando os sucessores deixaram de seguir as sensatas palavras do homem que criou o banco, este implodiu. (...)

Poderíamos ter a tentação de comparar o BES (ou o GES) com os Medici, mas se a vida portuguesa foi marcada nas duas décadas entre 1990 e 2010 por este grupo, a realidade de ambos foi diferente. Parece evidente que o BES teve um papel de bússola e de cofre de muita da estratégia nacional nessas décadas, sendo um poder forte nas grandes decisões políticas e económicas dessa era. A fase do consumo público e privado que não poderemos comparar com um qualquer Renascimento. O fim dos Medici, e do seu modelo, abriram as portas para o capitalismo usurário que ganhou espaço sobretudo na Inglaterra e na Holanda, com as consequências visíveis entre meados do século XVI e inícios do século XX. Esses anos de ouro em Portugal, onde o dinheiro parecia nascer numa fonte, não sustentaram nenhum novo mundo das artes, da ciência ou da política. Pelo contrário criaram uma elite alojada no Estado e dele dependente, mesmo tendo uma influência decisiva nas suas decisões.

A fase a que assistimos, a da implosão interna da família Espírito Santo, é o fim de uma era. De substituição dos "donos disto tudo", fruto das condicionantes decorrentes da crise de 2008 e da austeridade e também da chegada ao poder político de um núcleo que desde o início tinha uma estratégia de "destruição criativa". Onde o BES (e o que simbolizava) era um alvo. A guerra de tronos dentro da família Espírito Santo é apenas um aliviar de consciências. O mais importante é que, como no colapso dos Medici, assistimos a uma alteração de protagonistas no centro de poder em Portugal. Onde parte dos donos disto tudo nacionais foram substituídos por capitais estrangeiros, onde quem tem voz activa no centro de poder vem de universidades e de conselheiros legais, que desejam criar um Portugal segundo um modelo que implica a destruição de tudo o que existia. O problema é que o inexistente Renascimento nacional das últimas décadas está a ser substituído por uma pobreza cultural e política semelhante ou pior.» (O realce é meu.)

Fernando Sobral

2 comments:

septuagenário disse...

Os 300000000milhões ou biliões (como dizia Soares, sempre confundiu milhares com milhões), a quantia nem interessa em termos luandenses no caso salgado do BESA, mas já muito otário e muita gente ingénua se enganou com África.

Isto será apenas uma amostra bem pequena do que muito industrial e o próprio governo já têm no segredo dos deuses, enterrado e perdido.

Há 40 anos não acertamos o passo com os africanos, passamos a marchar com passo de ganso à voz daquela mulher, e essa não é a nossa passada.

Niet disse...

Fernando Sobral continua a assegurar um genérico comentário politico de excelente nivel. E muito trabalhoso, ao contrário da execrável banalidade das " palestras " dos encartados comentaristas do naipe SIC-N/EXpresso, tipo M.Mendes ou o do anterior inenarrável director-das-redacções, A. Monteiro. Mas, é preciso ter cuidado, no entanto, com a lógica paradoxal da critica politica sem
ocultar o modo de produção capitalista que " envenena " todo o funcionamento do sistema. Salut! Niet