20.12.14

Para onde foram os nossos anéis



“Vão-se os anéis, ficam os dedos.” Este provérbio é muitas vezes usado na defesa das privatizações de empresas públicas pelos sucessivos governos, desde que elas foram permitidas pela revisão constitucional de 1989 e se transformaram no expediente recorrente para equilibrar as contas do Estado, sempre sob a justificação ideológica de que a sua propriedade e gestão não competem aos Estado, mas aos privados. (...)

A questão que se coloca é a de saber qual o expediente que os governos vão encontrar para gerir as finanças do Estado quando se acabarem os “anéis” para vender – ou seja, quando o Estado não tiver mais empresas para serem privatizadas. O que vai então ser alienado para a esfera da gestão privada? Os serviços públicos do Estado social? As funções de soberania? As estruturas que asseguram a segurança interna? (...)

Quem olha para os “anéis” que os sucessivos governos portugueses têm vendido nos últimos 25 anos, e vê a quem eles pertencem hoje, verifica a forte presença de grupos empresariais com origem em países não democráticos. Uma presença cujo peso não se constata hoje apenas nas empresas privatizadas ou em sectores estratégicos, se bem que essa presença tenha crescido exponencialmente sob a gestão política do Governo de Pedro Passos Coelho. Assim vejamos. Os angolanos detêm participações no BPI, no BIC, no BCP, na Galp, na Soares da Costa, na Coba, na Viauto, na Nos, na Tobis e na Controlinveste. Os chineses possuem participações na EDP, na REN, no BESI, na Fidelidade e na Espírito Santo Saúde.

Há ainda uma outra perspectiva de reflexão sobre este tema que se prende com o facto de entre aqueles que adquirem firmas nas privatizações portuguesas haver um forte peso de grupos empresariais com origem em países que em outras épocas estiveram, em parte ou no seu todo, integrados no que foi o império colonial português – nomeadamente, Angola, que foi colónia portuguesa até 1975, e a China, onde os portugueses possuíram feitorias, tendo administrado Macau até 2000. Esta perspectiva foi mesmo abordada pelo jornal espanhol El Confidencial na peça “Portugal, la nueva colonia de Angola”.

É certo que esta situação se impõe pela livre concorrência mercantil que impera hoje no mundo dos negócios vivido à escala da globalização. Mas a sua constatação, que surge como uma ironia do destino, pode ser olhada, do ponto de vista simbólico, como uma metáfora do império às avessas.» (Os realces são meus.)

São José Almeida

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