1.12.14

Sem rede de segurança à vista



«Bertrand Russell dizia convictamente que os cientistas se esforçam por tornar possível o impossível, enquanto os políticos tentam fazer do impossível o possível. A classe política portuguesa das últimas décadas, aliada a grupos de interesses sedentos de dinheiro e poder, tentou comportar-se como cientistas. (...)

A corrupção que hoje saltita por aí, à vista desarmada, demonstra que os velhos equilíbrios tropeçaram na realidade da vida portuguesa. Asfixiada, a classe média que equilibra o país e na maior parte dos casos é o motor que o faz funcionar revoltou-se contra os desmandos há muito conhecidos e sempre calados. Porque todos tinham a ganhar com isso. Com a austeridade, esse idílio desfez-se. E por isso a aliança feita no topo entre interesses políticos e económicos desmorona-se como um castelo de cartas. Este arrepio colectivo que perpassa por Portugal tinha sido até agora evitado porque todos ganhavam alguma coisa com este "status quo", em que cada um fingia que era distraído. Mas a erva daninha não era só de cumplicidades económicas. Era de valores. E é tudo isso que agora está em causa.

O país naufragou no meio de um oceano sem terra à vista. Pode ser que isto a que se assiste, e que vai continuar dentro de momentos com outros "negócios" por explicar, seja o início de uma nova era. Mas também poderá ser o tremor de terra que o regime necessitava para que o fundamental não mude. Uma coisa é certa: vivemos tempos líquidos onde todas as seguranças desapareceram. Uma parte de Portugal revoltou-se. E não há rede de segurança à vista.»

Fernando Sobral
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