6.1.15

Indícios de pró-terrorismo desde as fraldas?



Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:

Cresci num país onde pensar livremente era proibido. Na escola primária, no liceu, professoras e professores guiavam-se por livros autorizados, reprimiam perguntas e dúvidas que pusessem em causa a verdade a que tínhamos direito, puniam nas avaliações as suspeitas de discordância. Aos 23 anos, compareci perante o Tribunal Plenário de Lisboa, acusada de atentar contra a segurança interna e externa do país.

Digo isto porque talvez alguém devesse avisar o governo britânico – que, segundo li no jornal Público de hoje, pretende que professores e educadores de infância vigiem, nas crianças sob a sua guarda, os primeiro indícios de desvio pró-terrorista e os combatam ensinando-lhes, na idade certa, «os verdadeiros valores britânicos» – que outros já tentaram a receita, e não lograram êxito.

Talvez alguém devesse alertá-lo que ver, por exemplo, a série Downton Abbey pode ser suficiente para pôr alguém a pensar sobre, imaginem, a luta de classes. Que, para uma criança bem formada, a injustiça social é o primeiro motor da revolta. Que não se é jovem sem se espantar, como aquele jovem cantado por Colette Magny, que a injustiça social, o racismo, a indiferença e o desprezo pelo sofrimento do outro, não impeçam ninguém de dormir. Porque a ela, a criança bem formada, a quem falaram de grandes valores, a hipocrisia cria um terrível mal de viver. Aconselharia, pois, o governo britânico a desistir dos professores espiões e, em vez disso, estudar atentamente a letra de Le mal de vivre, e reler sem cessar A condição humana, de Malraux.

Há, também, aquele magnífico poema de Jorge de Sena, Cadastrado. Lembram-se? «Uma vez, aos sete anos, partiu à pedrada a lanterna da porta da igreja. Dez anos depois, conduzindo um carro, não parou num cruzamento de rua onde havia um sinal de stop. Dois anos depois, teve uma briga num bar, e partiu a cabeça de um amigo com uma garrafa de cerveja. Quando se recusou a combater no Viet-Nam, o seu cadastro provava como desde a infância, sempre manifestara sentimentos nitidamente de traidor à pátria.»

De verdade, de verdade, digam-me lá: não sentiram crescer em vós uma alma de terrorista quando, indiferente ao frio que fazia nas ruas, foi decretado o fim das medidas de apoio aos sem abrigo para as 24 horas do passado domingo?




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3 comments:

septuagenário disse...

Dá que pensar mas estamos falando de ingleses.

Os tais que arriscaram jurar defender Salmon Rhusdy.

Os tais que primeiro aceitaram discutir e pôr em prática as leis anti-homofóbicas.

Os primeiros a abolir a escravatura africana para a América.

Os tais que não aderiram ao €uro.

Os ingleses são os tais sem complexos de dar um passo em frente.

Não é um ditador a criar uma lei, é uma nação.

Será o povo inglês que nem precisa de ditaduras porque só sabe viver com rigor e disciplina?

Inês Meneses disse...

"Os tais que primeiro aceitaram discutir e pôr em prática as leis anti-homofóbicas."? Pelo contrário, ser homossexual foi crime punível com prisão até bem tarde.

septuagenário disse...

E eu a escrever ontem sobre os ingleses e Salmon Rusdy e hoje um ataque a um jornal em Paris dá razão aos ingleses.

E Inês Meneses, Helton John já é Sir há muitos anos,

E quem não torcia o nariz aos homossexuais?

Só mesmo estes.

Mas as leis, preto no branco diga-me se alguem andou à frente dos ingleses, e eu desdigo-me.