21.1.15

«Je suis Charlie», mas



Crónica de Diana Andringa, ontem, na Antena 1:

Há alguns já largos anos, uma jovem actriz inglesa disse-me que sabia de cor os argumentos a favor da monarquia: é que, sendo ela republicana, nos debates escolares era normal escolherem-na para defender a posição oposta. “É uma maneira de aprendermos que todos os lados têm argumentos a seu favor.”

Lembrei-me disto nos últimos dias, quando vários daqueles que não hesitaram em proclamar a “Eu sou Charlie!” desferiram ataques violentos contra outros que, solidários embora com as vítimas do ataque ao semanário satírico francês, ousavam acrescentar à condenação um “mas” ou um “no entanto”.

“Mas” ou “no entanto” estão longe de significar concordância com o atentado: significam, antes, o desejo de compreender as raízes dessa acção, porque só compreendendo-as é possível combatê-las eficazmente. O unanimismo que, no tempo de uma manifestação, uniu pessoas com opiniões bem diferentes sobre as liberdades de expressão e imprensa, criando uma falsa linha divisória entre “nós” – os que proclamamos “Eu sou Charlie” - e os “outros”, os que atacaram a redacção do semanário, associando falaciosamente a estes os que se limitam a lembrar que há outras vítimas e que, por muito que alguns daqueles cartoonistas nos sejam tão próximos que quase os sentimos como amigos – como acontece a muita gente da minha geração – não podemos esquecer os muitos “danos colaterais” que resultam dos ataques ocidentais a países como o Iraque, o Afeganistão ou a Síria.

Passa muitas vezes, na televisão, um pequeno filme em que uma mulher loura, com um lenço vermelho a encobrir-lhe os cabelos, fala ao telemóvel. Percebemos, das palavras trocadas, que há algo, eventualmente um atentado, prestes a ocorrer. De súbito, a mulher tira o lenço, que cai lentamente – e há uma explosão. É, julgo, o anúncio de uma série de sucesso, mais uma, inspirada na luta contra o terror. Pergunto-me se não há pessoas para quem aquele lenço vermelho é, em si, uma imagem de terror. E se essas serão capazes separar o humor do Charlie Hebdo da violência dos drones. De encontrar os argumentos justos para defender a posição do adversário.

Como tentam, bem, fazer aqueles que, condenando sem reservas o atentado, não esquecem nem os “mas” nem os “no entanto”.

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1 comments:

septuagenário disse...

Foi a técnica de "uma no cravo, outra na ferradura" talqualmente! Eu já esperava.