3.1.15

Nero e a «destruição criativa»

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«François Mitterrand tinha um astrólogo quando foi presidente de França. Nancy Reagan também tinha um quando estava na Casa Branca. Mas há quem diga que o mais importante dos oráculos modernos é o presidente da Reserva Federal norte-americana.

Afinal as previsões racionais baseiam-se em evidências substantivas e os oráculos económicos têm um enorme impacto já que os medos e esperanças alteram os mercados. O receio do futuro vem de longe. O medo de tomar decisões erradas fez sempre parte da política. O imperador romano Nero, por exemplo, foi visitar o oráculo de Delfos. Este disse-lhe para ter cuidado com os 73 anos. Na altura Nero regressou a Roma confiante no futuro. Mesmo eufórico. Tinha 30 anos. Achou que até essa idade era invencível. Desprezou por completo a rebelião de Galba na Espanha. Este tinha 73 anos na altura. O destino estava traçado: Nero, confrontado com o seu isolamento suicidou-se com 31 anos.

Portugal vai entrar em 2015 a pisar brasas. A dívida pública (e a privada) continua monstruosa. O défice não é tão domesticável como parece. O país continua a ser incapaz de decidir, por si, o seu destino. (...) 2015 está cheio de sinais. Bons. Maus. Assim-assim. Todos juntos formam um sistema. Onde o centro, para onde todos olham, se chama "eleições". (...) Seja como for o Portugal de 2015 será diferente do de 2014 e, claro, do de 2011. O velho poder caiu. Um novo, com novas cumplicidades no círculo do poder, nasceu. O dono disto tudo caiu, no meio de uma implosão da família e aliados, e os novos donos disto tudo falam outras línguas. Compram tudo, com o aval de grupos de intermediação com o poder. O novo poder, criado nestes anos, é este: o de facilitadores de negócios. Mas os estilhaços do BES vão atingir todos os que à volta dizem que só Ricardo Salgado sabia. (...)

Antes de desaparecer de vez, Nero incendiou Roma. Para ver as chamas e sonhar que um novo império seria erguido a partir das suas cinzas. Era a "destruição criativa" da época. Nada correu como o planeado. O império apenas atraiu novas elites extractivas que o sugaram até não restarem forças para resistir às hordas bárbaras. O regime português em 2015 vai defrontar-se com o mesmo espectáculo. Todos procurarão as culpas alheias. Do passado ou do presente. E tentarão isentar-se das suas. Uma história com muitos séculos em Portugal. E nesse aspecto 2015 não trará nada de novo.»

Fernando Sobral
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