14.2.15

O tempo das chamas



«O consenso é, nas sociedades, na política, na economia ou na cultura, uma pequena acalmia antes das tempestades. A paz na Europa, construída após a sangrenta II Guerra Mundial, fez-se em torno de consensos: a democracia política e o Estado social.

Agora todo esse equilíbrio parece estar em perigo. Sente-se o fim de um ciclo para o início de outro. A destruição das classes médias pela austeridade e pelo fim do crescimento económico sem fim ameaça a democracia política. Os extremos políticos ganham fôlego. Nas margens da Europa o fanatismo ganha militantes sem fim. No centro da Europa a linha que separa a paz da guerra lembra o que sucedeu antes da I e da II Guerra Mundial: uma pequena faísca pode degenerar num incêndio. (...)

A substituição das ideologias pelo consenso económico-financeiro fingiu ter terminado com a ideia de conflito. As ideias foram substituídas por interesses. As palavras foram substituídas por números. Como se as sociedades e os cidadãos se adaptassem a tudo. Os políticos tornaram-se contabilistas e assistiram impávidos ao fim da política como a religião do nosso tempo (especialmente depois da Revolução francesa) e ao renascer da religião como política, onde o deserto de valores e a implosão do Estado fazem regressar as regras primárias de segurança: a família, o clã, o território. (...)

A política é um teatro: e a essência da dramaturgia, como dizia Aristóteles, é o conflito. Quanto maior e mais intenso for o drama, maior e mais intenso é o espectáculo. Estamos a viver isso. É difícil que os povos do Sul continuem a acreditar neste modelo. Em que o euro amarra e desfaz todas as possibilidades de fuga.

Um continente que oferecia bons empregos, com bons direitos sociais e boas pensões, não vai oferecer à próxima geração nada disto. Sem futuro, que sobra aos povos? Os Estados de bem-estar da Europa (que chegaram a Portugal ou Espanha muito tarde) têm contas crescentes porque as suas populações envelheceram. Sem crescimento económico constante isto é impossível de manter. A austeridade veio aliás quebrar definitivamente essa ligação. O fim de um ciclo está defronte dos nossos olhos.»

Fernando Sobral

0 comments: