O artigo de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa) de Março:
«Como vamos sair disto? Organizando-nos e lutando, em todos os tabuleiros possíveis, para mudar uma correlação de forças que nos é altamente desfavorável. Fazendo os compromissos capazes de conseguir, desde já, o essencial: reverter a austeridade; reestruturar a dívida; fortalecer o Estado social; impor justiça à máquina fiscal e contributiva; mudar, ou incumprir, os tratados (orçamentais, comerciais) que impedem o desenvolvimento das economias e a estabilização de padrões de vida dignos em termos sociais e laborais.
As forças e os poderes que beneficiam com a crise austeritária e com a financeirização da economia têm todo o interesse em afirmar que isto é impossível. Que são delírios radicais de quem não vê as melhorias e não percebe que só com mais austeridade (e mais dívida, portanto) e mais cumprimento dos tratados europeus e das regras impostas pelas instituições da globalização neoliberal, é que a receita mostrará todas as suas potencialidades salvíficas.
Esta receita pode ter enganado muitos, mas já não engana a maioria. Porque não resiste à realidade de populações que vivem cada vez pior. Esgota-se nas suas próprias contradições e mentiras. Esgotou-se para o povo grego, que perdeu a esperança nas políticas austeritárias e foi encontrá-la onde elas eram recusadas com determinação e clareza, abrindo a porta para que outras alternativas comecem a ser possíveis. De imediato choveram, do lado dos poderes e instituições europeias, ideias verdadeiramente democraticidas: não há alternativa à arquitectura e às políticas (hoje) dominantes; as eleições não têm capacidade para mudar nada (seja qual for a vontade popular democraticamente expressa).
Pelo menos tão perigosas como estas são duas outras mensagens que se tenta passar, não apenas ao povo grego, mas a todos os europeus: em primeiro lugar, que quem defende políticas de reversão da tragédia social, ou até humanitária, só pode ser um radical de extrema-esquerda (quando ainda há pouco seria visto como um moderado social-democrata); em segundo lugar, que quem está numa posição de fragilidade (porque precisa de recorrer a crédito externo, por exemplo) não pode fazer outra coisa senão ser subserviente e aceitar tudo o que lhe é imposto.»
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