«O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho dá uma entrevista e, ostentando o olhar mais cândido que consegue, mente sobre uma questão fundamental - os dados do desemprego - para tentar convencer os portugueses de que as coisas estão no bom caminho, de que a economia está a recuperar, de que a austeridade funcionou e de que o seu governo merece ser reeleito em Outubro.
O irrevogável vice-primeiro-ministro Paulo Portas repete a mesma mentira em todos os púlpitos da pré-campanha que encontra pela frente, mas com um dedo esticado de autoridade e a voz pausada que Portas sabe que se podem fazer passar por gravitas e com os fatos de bom corte que Portas sabe que se podem fazer passar por seriedade.
Escândalo, porque os chefes do governo mentem? Escândalo porque não se trata apenas de uma declaração que não corresponde à realidade, mas de uma operação de manipulação da opinião pública, com estágios inventados para fingir que milhares de pessoas não estão no desemprego, com milhares de desempregados transformados em não-pessoas para os apagar das listas do desemprego, com os emigrantes varridos para debaixo do tapete? Sim, um pequenino escândalo. Vinte vozes indignadas. (...) A oposição cansa-se. Afinal, já todos sabem que os membros do governo são uns aldrabões, para quê insistir? Os telespectadores não reparam, a mentira fica. Parece que o desemprego está a diminuir. Talvez eu afinal tenha emprego e ainda não tenha dado por isso. Não iam mentir na TV pois não? O governo não ia mentir, ia? (...)
Achamos que é falta de educação dizer a alguém que mentiu mesmo quando essa pessoa mente descaradamente e há milhões que sofrem por isso. E os jornalistas vivem no pavor de ser considerados "parciais", de "ter uma agenda". (...)
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi responsável pelo maior esquema de fuga ao fisco na história da Europa, roubando milhares de milhões de euros aos contribuintes europeus? O presidente do EuroGrupo, Jeroen Dijsselbloem, inclui no seu CV um mestrado inexistente que apagou quando foi descoberto? O FMI sofre de esquizofrenia financeira, impondo à força aos países medidas que condena nos seus documentos internos? Que importa. Pode falar-se nisso uma vez nos jornais, mas insistir seria falta de educação, "ter uma agenda". Dizemo-nos indignados mas não queremos ser considerados indelicados.»
José Vítor Malheiros
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