«Na mesa de refeições, a faca e o garfo deslocam-se sobre o prato ritmadamente. O garfo espeta; a faca corta. A faca empurra; o garfo transporta. Trata-se de uma dança imponente, cujo objectivo é retardar a deselegante mastigação.
Tanto os americanos como os ingleses, por exemplo, acham que a forma de os outros usarem o garfo é extremamente vulgar: os britânicos consideram-se educados por nunca pousarem as suas facas e os americanos por o fazerem. São duas nações divididas por um talher comum. Tal como Portugal é uma nação dividida pela forma de olhar para a dívida e o método de equilibrar as contas públicas. E, nesses momentos, a faca e o garfo conseguem entrar em conflito.
Na política, a arte de usar a faca e o garfo obedece a princípios não muito diferentes. Os partidos espetam, o Governo corta. E os cidadãos esperam que o seu futuro possa ser melhor. Nenhuma das propostas de governação parece conseguir ultrapassar a táctica das "medidas extraordinárias" para acalmar o Adamastor da dívida. E nenhuma consegue mostrar uma estratégia, um modelo sólido para o futuro de Portugal.
Se à esquerda podemos vislumbrar com desconfiança como será possível equilibrar, com os acordos políticos, o programa de Mário Centeno, à direita a receita é a continuação da excepcionalidade. Olhe-se para o menu saído do Conselho de Ministros: o temporário tornou-se eterno. Seja a sobretaxa, as múltiplas contribuições extraordinárias ou cortes salariais. O primórdio da faca sobre o garfo não tem descanso. E, por isso, a única diferença que se vislumbra a médio prazo é a da sensibilidade para a pobreza que se tornou a forma de vida em Portugal.»
Fernando Sobral
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