«Há quem diga que, quando Frank Sinatra abria a boca, até Deus se calava. Um exagero, talvez. Mas o dono da voz do outro mundo foi um dia surpreendido, sem dizer nada, com um copo de "bourbon" numa mão e um cigarro na outra.
Gay Talese, na "Esquire" viu tudo e escreveu uma reportagem célebre: "Frank Sinatra está resfriado". Na política portuguesa ninguém tem a voz de Sinatra, capaz de calar tudo e todos. Não se poderia esperar tanto: neste sítio os silêncios valem mais do que as afirmações, os olhares iludem cumplicidades antigas, o risco é inimigo da frontalidade. Aqui todos parecem constipados. Sempre.
Carlos Costa não é, nem nunca poderia ser, Frank Sinatra. O mistério que encontramos nas baladas que este cantava não se encontra nas frases do Governador do Banco de Portugal ao longo dos anos. Estas não têm orquestração: são áridas e desinteressantes. Onde Sinatra empolgava, Carlos Costa provoca a compreensão. Sinatra enfrentava os fãs. Carlos Costa esconde-se dos microfones. É certo que Sinatra nunca teve um Novo Banco ou um Banif para resolver. Mas tinha Las Vegas, onde toda a vida sempre foi um jogo. Sinatra constipava-se, uma vez ou outra.
Há muito que Carlos Costa parece viver com a voz resfriada. E, neste momento, ouvi-lo era fulcral. Compreende-se que Carlos Costa não possa emocionar-nos com uma versão de "That's Life", mas poderia tentar surpreender-nos, recitando "My Way". Para percebermos o que tem andado a fazer o BdP nestes últimos tempos, à volta do Novo Banco e do Banif.
Carlos Costa, depois da saída de Maria Luís Albuquerque, deixou de ter uma orquestra empolgante que lhe garantia uma voz perfeita. Não teve a sorte, como Sinatra, de ter um orquestrador como Nelson Riddle para lhe envolver a voz. Ainda assim, neste momento que não é para "swinging lovers", precisava-se de uma voz potente para fazer repousar os ânimos e evitar o nervosismo. Mas o problema é que encontramos, neste momento, um Governador do Banco de Portugal constipado. E sem voz.»
Fernando Sobral
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