Vale muito a pena ler o texto de São José Almeida no Público de hoje. Uma espécie de resumo da matéria, não dada mas vivida.
Excertos:
«Se há um ano lhe dissessem que Pedro Passos Coelho ganhava as eleições legislativas de 2015 e que António Costa as perderia, acreditava? E se lhe acrescentassem que Passos tomaria posse como primeiro-ministro para, passados 12 dias, cair no Parlamento perante uma moção de rejeição do programa de Governo apresentada pelo PS e aprovada com o voto favorável do BE, do PCP e do PEV, daria uma gargalhada de incredulidade? E se lhe assegurassem que horas antes da votação o PS assinou com o BE, o PCP e o PEV, acordos bilaterais, abriria a boca de espanto? E se lhe avançassem em seguida que, apesar de o PS ser o segundo partido no ranking eleitoral, Costa seria empossado primeiro-ministro e o seu programa de Governo salvo no hemiciclo pelo BE, pelo PCP e pelo PEV, da moção de rejeição apresentada pelo PSD e pelo CDS, escangalhava-se a rir?
Pois é. Sem que ninguém sequer imaginasse possível, 2015 foi um ano cheio no domínio da política e nem as mais ousadas previsões conseguiram antecipar a reviravolta que o país viveu. Uma reviravolta que não é apenas formal e reduzível a jogos partidários e parlamentares, representa um corte real com uma maneira de fazer política e uma alteração estrutural no modelo de funcionamento do sistema político português.
De um momento para outro, a forma de funcionar da política institucional mudou. Há quem atribua a viragem a uma necessidade de sobrevivência política e à fome de poder do líder do PS. Mas a facilidade com que Costa o fez indicia que houve uma ruptura mais profunda e que o secretário-geral dos socialistas apenas surfou a onda que já estava em formação. Isto é, que a radicalização à direita que representou a governação do Governo conjunto do PSD e CDS, provocou a resposta à esquerda e abriu espaço a uma mudança no PS que possibilitou o entendimento deste partido com as formações da extrema-esquerda parlamentar. (…)
Quando se viu perder eleições e apenas com 86 deputados (em 2001 tinha tido 74), Costa olhou em volta e avançou para abrir um caminho até então nunca realmente tentado, um acordo à esquerda. Mas ao nível do que é a mudança de regime não basta a disponibilidade de António Costa para fazer história, ou segundo outras análises, a sua vontade de ser poder a todo o custo. Há um factor decisivo: a disponibilidade do PCP para permitir que o PS seja Governo. (…)
Depois de ter sido ultrapassado pelo BE e pelo CDS em número de deputados, ainda que a CDU tenha ganho mais um mandato parlamentar, num total de 17, para obter os seus objectivos estratégicos, o PCP alterou a sua posição táctica e estendeu a passadeira vermelha a Costa. E até o PEV, que ocupa dois dos mandatos conquistados pela CDU ganhou o protagonismo de assinar um acordo com o PS.
Determinante para a solução de Governo do PS com apoio à esquerda no Parlamento foi a anuência do BE. Aliás, a forma como o Bloco de Esquerda deu a volta por cima é um dos acontecimentos políticos do ano. Depois de em Novembro de 2014 ter saído dividido do Congresso e com uma solução de liderança fragilizada que apostava numa direcção colegial e em manter Catarina Martins como porta-voz, o Bloco recuperou eleitoralmente, transformando-se no terceiro partido e mais que duplicando o número de deputados passando de 8 para 19. (…)
Um dos momentos em que Catarina Martins marcou pontos na campanha foi precisamente quando, no final do debate televisivo com Costa atirou para cima da mesa a garantia de que o BE apoiaria um Governo do PS mediante três condições: os socialistas deixarem cair a baixa da TSU, o congelamento e novos cortes nas pensões e prestações sociais e o regime conciliatório de cessação de contractos laborais.»
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