23.12.15

O vento de Espanha



«O bipartidarismo implodiu, mas não desapareceu. Há em Espanha uma sensação de ingovernabilidade, mas a chegada do Podemos serviu para que a questão da corrupção passasse a ser vista com outros olhos e a do Ciudadanos permitiu que a ilusão autonómica (sobretudo na Catalunha) tivesse de descer à terra. PP e PSOE ganharam, mas perderam.

Notícias do solstício de Inverno que chegou mais cedo a Espanha. Mas não deixa de ser curioso como Espanha e Portugal estão hoje ligados como ramos da mesma árvore ibérica, da mesma crise europeia, da mesma divisão Norte/Sul. O discurso vencedor de Mariano Rajoy parecia fotocopiado do de Passos Coelho na noite da vitória. Talvez cortesia do PPE, que manda um resumo para todos os partidos irmãos. Ganhámos, mas sem maioria, mas devemos ser chamados para governar.

Rajoy, como Passos Coelho, será. Mas que fará com a sua vitória, se a direita urbana, muito semelhante ao nosso PP (do Ciudadanos), não tem deputados suficientes para lhe dar conforto parlamentar? O PSOE, com o resultado mais magro possível, consolou-se à sua maneira. Mas ficou refém do Podemos, o único partido que efectivamente ganhou, e que agora vive um momento de decisões estratégicas leninistas: como ocupar o poder? PSOE e Podemos estão condenados a destruir-se pelo mesmo território, mas podem tentar um beijo de morte, para imitar a solução portuguesa, que é diferente: o PS continua a ter um poder superior ao BE ou ao PCP.

Nada disto é indiferente para Portugal e para a Europa. A via da austeridade como "solução única" sofreu mais uma derrota no sul. E a Espanha não é Portugal: é uma das economias musculadas da Europa. Se espirrar a contaminação é grande. É aí que António Costa, com a intranquilidade que os resultados de Espanha trazem, poderá ganhar espaço para uma situação melindrosa que tem de gerir. Como se viu no caso do Banif e se verá no problema do défice, da dívida, do OE de 2016 e no Novo Banco. Sem falarmos de outras minas e armadilhas que a "destruição criativa" de Passos Coelhos e dos magos teóricas do pretenso "liberalismo" que tentam enxertar na vida dos portugueses, deixaram como memória e herança.

A Espanha não poderá andar muito tempo numa crise de governação, porque a pressão das autonomias e a fórmula de ajuste externo em forma de ajuda aos bancos não esconde tudo. A grande Natália Correia dizia que "somos todos hispanos". Não se sabe. Mas agora estamos muito próximos de o ser.»

Fernando Sobral

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