«Sem o doutor Moriarty, Sherlock Holmes não seria um detective brilhante. E James Bond, sem Goldfinger, seria um fastidioso agente secreto. O valor de uma vitória tem sempre que ver com o poder do adversário.
Alfred Hitchcock, que sabia como fazer tremer os espectadores, chegou mesmo a clamar: "As melhores histórias são as que têm os piores malvados." Porque, quando derrotados, permitem-nos despertar de um pesadelo profundo. Nesta crise das bolsas, dos bancos, do petróleo e das dívidas soberanas, todos procuram o seu inimigo público número 1 de estimação. Nada que admire muito: a culpa é sempre do outro. E assim podem-se criar ódios de estimação ao sabor das conveniências. Que são vendáveis às claques de apoio de cada lado da barricada. O que se está a passar com os juros da dívida pública, aliados a um OE de que muitos desconfiam, serve à vontade para se encontrar bodes expiatórios de conveniência.
Mas, no meio deste drama, onde nem falta essa figura altiva e dispensável que é Jeroen Dijsselbloem e aqueles que acham que este país deve ser um protectorado de Bruxelas, o cerco parece estar montado. Portugal é, mais uma vez, quem der o corpo às balas pela Europa. Já se viu este filme. E vai voltar a ver-se. A austeridade, sob a forma de aumento de impostos, vai manter-se, porque o Governo vai ter de recuar. Mesmo que haja uma manifestação de clones de Ana Avoila até São Bento. Para os mercados, Portugal é o elo mais fraco desta Europa que parece um canavial que treme por todos os lados. Para a Europa das certezas, Portugal é o útil bode expiatório das suas fragilidades. Portugal é o Goldfinger desta Europa que se julga James Bond e que é, apenas, Austin Powers. Mais uma vez mostra-se, à evidência, a fragilidade deste país, definhado pela dívida e incapaz de ter uma visão estratégica sobre o seu destino. Nada aprendemos com a História. Sabemos apenas aumentar impostos para que ninguém nos chame Goldfinger.»
Fernando Sobral
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