1.3.16

Abóboras cozidas



«Kim Jong-un, que julga governar um país de desenhos animados, diz ter uma arma assombrosa que transforma tanques de guerra em "abóboras cozidas". Não sendo Flash Gordon, Kim é um ilusionista pop. Diverte enquanto não comete loucuras.

A Europa, mais conservadora, tem também as suas fotocópias de Kim. Estas são mais discretas mas vão contaminando aquilo que, há uns anos, era o sonho de uma Europa justa, poderosa e iluminista. Rendida à fé da austeridade e à sobrevivência do euro, a Europa tornou-se uma abóbora cozida. As crises institucionais para a formação de governos estáveis, ultrapassadas em Portugal, mas tempestuosas em Espanha e Irlanda, são sintomas de uma gripe mais sólida.

A Europa está sob o efeito de um degelo e ainda não quis reparar nisso. As fracturas parecem cogumelos a nascer com a Primavera. A crise dos refugiados, o previsível fim de Schengen como o conhecemos, a "democracia musculada" dos países do Leste da UE ou o "Brexit" são muito mais do que nuvens passageiras. São tempestades demasiado fortes para se fingir que não existem. Mas numa Europa que só pensa em números (os dos défices, mas não os outros…) é evidente que, mais tarde ou mais cedo, alguém tivesse de começar a falar do tabu: o pagamento das dívidas soberanas. (…)

Mas chegará o dia em que renegociar a dívida não será um tabu. Sabe-se que ela é impossível de pagar. E que aumentou com as aspirinas da troika. Ninguém, neste momento, pode dizer: "Não pago." Será excomungado e guilhotinado em Bruxelas e Berlim. António Costa, que não quer acabar como uma abóbora cozida, vai esperar.» 

Fernando Sobral

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