11.3.16

O Silva da Maria



«Sai Cavaco e fica uma alegria semifúnebre, como quando morreu a bêbeda do bairro que aterrorizava os miúdos no Jardim da Estrela e gritava palavrões porno na rua durante a noite.

Foi um alívio imenso quando recebi a notícia, a de que a bêbeda tinha batido a bota, mas, de certa maneira, já fazia parte do bairro. - "Olha, devem ser três da manhã porque lá está a p... da bêbeda a gritar e a partir garrafas." Já não tenho ninguém para insultar às três da manhã porque "este podia ser um bairro do caraças, não fosse o bêbedo do Aníbal", salvo seja. (…)

Na noite de despedida de Cavaco, ouvi, várias vezes na TV, dizer que Cavaco foi um homem muito só. Só?! A Maria enche uma casa. Ninguém vê o papel da Maria Cavaco na história do nosso país?!

A Maria nas inaugurações, nas declarações, à porta de feiras, sempre ao lado (para o fim, até nos discursos à nação) a marcar com os olhos a concordância. Olhando para Aníbal, enquanto este discursa, como um homem forte e de confiança, mas, ao mesmo tempo, vai tirando cabelos imaginários do ombro do marido, infantilizando-o, porque é mais forte do que ela. É o que faz lá em casa: compõe o Aníbal. Dá-lhe o empurrão para o acordar. (…)

Tenho a sensação de que grande parte das decisões de Aníbal, que implicaram chatices, foram instigadas pela Maria: - "Vai lá denunciar que o meu pai vive com outra." - "Anda lá fazer a rodagem ao carro." - "Tu nem penses em ir ao enterro do comuna!" Até o BPN é, no pecado original, culpa da Maria: "Olha as casas que tem o teu amigo Dias Loureiro. E é muito mais baixo do que tu. Faz-te homem! Olha os teus netos." A Maria está ali para o ajudar a descair para o que realmente lhes interessa. (…)

Aníbal, casado com uma mulher diferente, que não inflamasse o pior dele, podia não ter feito tanta asneira como fez e o país podia estar muito melhor. Por exemplo, se Cavaco tivesse casado com a Ana Maria Magalhães (co-escritora dos livros "Uma Aventura"), ela tomava conta dele, acalmava-o. Puxava pelo seu lado bucólico, ajudava-o na concordância verbal, e Aníbal teria estado estes dez anos a dar ideias para os livros "Uma Aventura", em vez de escrever Roteiros de raiva. A bem da Nação, Aníbal precisava de outra Maria.» 

João Quadros

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