«Orson Welles, sempre com uma visão sombria da vida, costumava dizer: "A popularidade não deveria ter importância na eleição dos políticos. Se dependêssemos da popularidade, o Pato Donald e os Marretas teriam assento no Senado."
Ou na Casa Branca, poderíamos acrescentar. Os resultados da "Super terça-feira" tornaram tudo mais claro no campo democrata: Bernie Sanders mostrou que é uma agradável surpresa, atraindo o eleitorado jovem, mas Hillary Clinton parece imbatível. Já no campo republicano, a popularidade de Donald Trump sobrepôs-se ao conservadorismo evangélico e ideológico de Ted Cruz ou Marc Rubio. Trump começa a depender só de si e Ted Cruz só pode esperar que todas as outras candidaturas se eclipsem e apostem tudo nele. Mas é de Trump que todos têm medo. Do candidato que fez do medo dos outros (especialmente dos mais furiosos dos americanos, a sua classe trabalhadora branca) a sua força. Sem ideologia clara, Trump dividiu a América não entre ricos e pobres, mas entre trabalhadores e parasitas e entre americanos e emigrantes.
Não está só neste mundo de extremos: muita da Europa que parece em pânico com Trump acolhe com abraços Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro (que diz quase o mesmo que o Darth Vader republicano) enquanto chicoteia os governos atolados em dívida ou sem meios para fazer face à crise dos refugiados. Trump sossega os democratas: o seu radicalismo será, por certo, batido pelo centrismo (e a sua posição de falcão em termos internacionais) de Hillary Clinton. Mas abriu uma caixa de Pandora nos EUA que não se via há muito: um populismo que tem que ver com o "cowboy" da memória americana. Se Ted Cruz é o evangélico da América profunda à conquista de Washington, Trump é o sobrevivente (vencedor, mesmo que perca algumas vezes) que os americanos sonham ser. E ele, com o seu discurso básico, simboliza o miserável mundo do Twitter: nada é elaborado, tudo é "sim" ou "não". Trump é mais do que um populista. É o espelho de um mundo que recusa pensar.»
Fernando Sobral
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