26.6.16

Maria Velho da Costa, 78



Maria de Fátima de Bivar Velho da Costa, que conheci como Fátima Bívar bem antes de tudo o que veio a celebrizá-la, nasceu em 26 de Junho de 1938. Andámos por aí, na noite de Lisboa, em grupos improváveis que já se foram esvaziando pelas leis da vida – e do fim da mesma.

Se foi sobretudo a sua colaboração nas célebres Novas Cartas Portuguesas, que escreveu a seis mãos com Isabel Barreno e Teresa Horta e que a trouxeram, com estrondo, para a ribalta da perseguição da PIDE e dos tribunais, ela é para mim, antes de mais e acima de tudo, a grande autora de Maina Mendes (1969) que li de um trago e já reli nem sei quantas vezes. Muitos outros livros vieram, talvez com destaque para Missa in Albis (1988).

Em jeito de homenagem, este trecho sobre «Mulheres e Revolução»:

«Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.»

Maria Velho da Costa, Cravo, Moraes Editores, 1976. 
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