19.7.16

A teoria do terror



«Woody Allen, num dos seus melhores momentos, olhou para a II Guerra Mundial através das memórias de um barbeiro dos líderes nazis. Estes dividiam-se sobre a bombástica notícia de que Churchill estava a pensar deixar crescer as patilhas.

Speer e Goering divergiam sobre se Hitler devia deixar crescer as patilhas primeiro, ou não. O almirante Donitz tinha uma ideia atómica: cortar o fornecimento de toalhas quentes a Inglaterra. O absurdo tomava conta da guerra. Nada de especial: poucos dias antes do horror de Nice descobriu-se que o Presidente François Hollande pagava, com dinheiro público, a um barbeiro, 9.895 euros por mês para manter o seu cabelo e patilhas atraentes e a barba perfeitamente escanhoada.

O absurdo é a nossa realidade. Tudo isso diz muito do mundo em que vivemos e que caminha por uma cama de pregos sem que a maioria de nós sejamos faquires. Nice, como muitos outros atentados que são apenas um rodapé nas notícias porque são em Bagdade, Áden ou Lagos, faz-nos enfrentar com mais atenção os dois lados da civilização actual: o mundo real e o paralelo. Ambos se cruzam nos telejornais, mas estão longe, tal como os burocratas de Bruxelas não sabem o que se passa nas ruas de Lisboa ou Atenas.

Chegou o lado negro da globalização: o terrorismo global. É diferente daquele dos anarquistas de inícios do século XX ou mesmo do terror estatal que o estalinismo, o nazismo, o maoismo ou as ditaduras latino-americanas implementaram. Nesses tempos, mesmo com "danos colaterais", havia alvos definidos, especialmente os que pensavam de forma diferente ou tinham poder. Hoje não. O terrorismo do Daesh é diferente. Deixaram de importar as ideias. A única coisa crucial é destruir qualquer identidade comum, seja ser sírio ou francês, seja ser cristão ou xiita, seja viver em Alepo ou Nice. Não é o pensamento individual que se quer fazer desaparecer. É a lógica de comunidade e de formas de vida básicas como estar numa esplanada ou viajar de comboio. É um terror mais sórdido. Que nada tem que ver com Woody Allen.»

Fernando Sobral

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