Agora que a questão angolana já saiu da nossa agenda mediática, vale a pena ler um texto de Carlos Pacheco, historiador luso-angolano, no Público de hoje: Um livro no banco dos réus: triste espectáculo do MPLA. (Note-se que não conheço nem o autor, nem o livro, mas não é isso que está aqui em questão.)
Alguns excertos:
«Hoje em dia o MPLA como antigo movimento de rebelião que se alçou em armas contra a “intrusão intolerável” do colonizador para defender os direitos pátrios dos angolanos pouco se distingue do inimigo colonialista que combateu. Com iguais tiques de arrogância e poder ergueu uma fronteira cerrada à sua volta e obstina-se em ser o único porta-voz da linguagem do independentismo e em se atribuir a si a prerrogativa de posse de todo o conhecimento da história da luta armada de libertação nacional. Pela ameaça e pela repressão fixou a preeminência dos seus direitos ao arrepio dos direitos dos outros. Um espectáculo lamentável que Albert Camus definiria como espectáculo da “sem-razão” ou do absurdo. (…)
Exemplo paradigmático é o livro por mim publicado recentemente, Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador. A História do MPLA em Carne Viva. (…)
No meu caso concreto, imputou-se-me o “delito” de incorrer em crenças alheias à pátria angolana e de ser um saudosista do colonialismo. Mas não bastasse este alarde agressivo de chauvinismo e autoritarismo, ainda se tentou amortalhar a obra com a etiqueta abjecta de “insulto ao povo angolano”, como se o MPLA fosse o detentor da arca mágica da vida ou tivesse a representatividade exclusiva de falar em nome da totalidade de milhões de homens e mulheres que compõem a realidade histórica e social de Angola. (…)
Em resumo, o Partido-MPLA coloca-se acima das leis, do país e dos cidadãos e imiscui-se em esferas de actividade que não lhe dizem respeito. Os políticos devem ocupar-se da política e deixar aos historiadores, literatos e a outros profissionais de humanidades o exercício do seu mister. (…)
Ora o discurso da mais alta instância do MPLA é também um regimento de palavras, só que de palavras burlescas e sobranceiras, próprias de quem detém a vara do mando há muito tempo e abusa dela em demonstrações políticas de desprezo e descortesia. Fui condenado em praça pública de modo injusto e tirânico sem que os meus juízes tivessem, ao menos, o cuidado de ler o meu livro com escrúpulo e espírito hermenêutico segundo a história. Ao invés, numa exibição de proselitismo exacerbado, tiraram conclusões apressadas a partir de fragmentos saídos na comunicação social. Esqueceram-se esses “juízes” partidários que as leis fundamentais da República são civis e o Bureau Político ou qualquer outro órgão superior de direcção, incluindo o mais alto representante do aparelho de Estado, se subordinam a tais instrumentos jurídicos. O Partido não impera sobre as leis, tal como imperavam os reis nos sistemas monárquicos absolutos. De acordo com o princípio constitucional da dignidade, as leis prescrevem que todo o cidadão é credor do respeito incondicional à sua dignidade e que este princípio é concretizado no direito à identidade, mas acima de tudo no direito ao bom nome. Ao usar de termos iníquos, o Bureau Político arbitrariamente calcou todos os pressupostos e consequências que dão substância a esta matéria jurídica.»
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