José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«Já exprimi várias vezes a minha dúvida, receio, reserva, quanto ao sucesso da actual experiência governativa por uma única e exclusiva razão: não pode fazer a política que desejava, nem a que corresponde à sua base social e política, e é obrigada a fazer uma política imposta de fora pelo Eurogrupo, cujos resultados na estagnação da economia são reconhecidos por todos, menos pelo próprio Eurogrupo e as suas emanações nacionais, em particular o PSD.
O governo não está em risco pelos desentendimentos interiores da coligação, nem pela hostilidade da opinião pública, com as sondagens a revelarem uma queda crescente do PSD, está em risco porque existe uma enorme coacção sobre a sua política e um dia a corda quebra. Suspeito que quebre para o lado torto, ou seja, que o PS aceite políticas impostas que colocam em risco a coligação, apesar da actual maioria de militantes do PS e muitos eleitores dos outros partidos não concordarem com elas. Será a chantagem europeia, apoiada por muitos interesses económicos e políticos nacionais, a que se pode somar nesse momento crítico o Presidente, que abaterá a “geringonça”. Mais valia ter a lucidez de pensar que este momento vem a caminho e ter um plano para ele. (…)
No entanto, se a governação económica do PS é mais próxima da do PSD, que teria hoje quase todas as dificuldades que o PS está a ter, só com a diferença que contaria com muito mais benevolência europeia, já não é correcto dizer que a governação social e política sejam idênticas. Aí muita coisa mudou e aí sim há dois “modelos”, um, à direita, muito definido, embora às vezes ocultado (é por isso que o PSD não quer apresentar propostas orçamentais); outro, entre o centro e a esquerda, menos definido, com ambiguidades, mas diferente. Uns e outros não olham da mesma maneira para os mesmos lados: o PSD e o CDS são os guardiões da ofensiva fiscal sobre o trabalho, os salários, pensões e reformas e sobre a débil melhoria que uma parte da “classe média” teve em Portugal depois do 25 de Abril, o governo pretende “reverter” essa situação. (…)
É por isso que, em matéria política, o actual governo faz de facto também uma diferença. A começar porque assenta numa aliança sem precedentes, cujos efeitos de ponto de não retorno são enormes. Quem pensar que, a haver uma queda do actual governo, as eleições seguintes serão iguais às anteriores, está completamente enganado. O sistema político-partidário mudou, tornando qualquer “bloco central” uma anomalia, e favorecendo uma fractura esquerda-direita, que varreu o centro. À direita continua a ser mais fácil fazer o pleno da votação, à esquerda não se sabe.
O actual governo é sustentado pela política no mais nobre sentido da palavra, pela política em democracia, sem se disfarçar de “realidade”, como hoje a ideologia de direita faz. O actual governo é o único da Europa assente neste tipo de alianças partidárias. Convém lembrar que o que permite a sua existência é a recusa liminar que o PSD e o CDS governem (que o PS português aceitou e o PSOE espanhol não, com as consequências desastrosas que se conhecem), e esse acto genético é traumático para a direita que nunca conviverá com ele.
A política o fez, a política o desfará. Se é sustentável pela política, tem que compreender com clareza duas coisas: identificar sem hesitações os seus adversários políticos (e se olhar para eles com lucidez apanhará um susto que lhe faz muita falta para perceber no que está metido e com quem está metido) e saber que qualquer saída da governação será sempre muito traumática. Sendo assim, deve começar a pensar desde já como ultrapassará o impasse a que leva a pressão do Eurogrupo, para de novo não ter que se sentar em duas cadeiras ao mesmo tempo, e começar a pensar em encontrar uma solução política que lhe permita ir a eleições assente numa aliança de poder, ou estará condenado a ver o ex-PAF a ganhá-las de novo.»
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