«A criação inédita de um governo de coligação à esquerda em Portugal apoiado numa agenda concreta de políticas é de louvar. Ninguém sabe como vai acabar a experiência, mas sabemos que a geringonça aumentou o leque de possibilidades de representação, e isso é positivo em vários planos. Um dos principais é que daí decorre que a história do "não há alternativa" que dominou o discurso europeu e serviu parte da elite nacional levou um rombo.
PS, Bloco, e PCP têm o mérito de terem criado uma alternativa, e Portugal sai bem na fotografia internacional ao virar à esquerda sem sobressaltos de maior, nem no plano financeiro, nem no plano político. Importa agora debater a qualidade dessa alternativa. E aqui, a procissão ainda vai no adro.
Ao contrário do que muitos dos críticos do Governo apontam, a prioridade à devolução de rendimentos e à redução do IRS em vez do IRC, a subida de impostos sobre combustíveis e tabaco, e a defesa de objectivos de consolidação orçamental menos ambiciosos do que no passado são boas notícias para Portugal e para a Europa. Respondem a preferências dos eleitores de esquerda, e fazem sentido no plano económico: resistem às políticas deflacionárias promovidas pela troika que em larga medida falharam, e procuram um maior equilíbrio na utilização das várias alavancas orçamentais. (…)
O que Portugal precisa é uma agenda de reformas, calendarizada, quantificada e construída para ser avaliada ao longo do tempo, centrada na sustentabilidade da segurança social e do Estado social que é o mais poderoso instrumento contra a enorme desigualdade no país; numa aposta nas qualificações e da gestão do Estado; num reforço de regulação que no país das cunhas garanta igualdade no acesso a recursos públicos e privados; no enfoque no combate ao desemprego jovem e à precariedade, e na aceleração da reestruturação da dívida pública e privada. (…)
Com quase um ano no terreno, a geringonça conseguiu mais do que os críticos lhes destinavam, mas menos do que Portugal precisa.»
Rui Peres Jorge
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