«Os tempos estão a mudar e não só na política ou na economia. O galardão atribuído a Bob Dylan, o Nobel da Literatura, ainda parece a alguns um sapo difícil de engolir. (…)
Como Shakespeare, Dylan preocupou-se mais em encontrar os melhores músicos para tocar as suas canções. E, como diz, nunca se interrogou se as suas canções eram literatura. Como Shakespeare se preocupou sempre com a economia da sua música: permitir-lhe-ia sobreviver cantando, e fazer disso a sua vida?
As palavras de Dylan são uma lição de vida e um choque eléctrico em muitas convicções que descortinamos com demasiada facilidade em Portugal. Fazem pensar sobre a economia da cultura. Dylan conseguiu fazer a ponte entre a alta cultura e a cultura pop e a sua influência social foi enorme. O criador de "Blowin in the Wind" foi sempre fugindo do seu próprio êxito, criando rupturas como a que o tornou um proscrito quando agarrou numa guitarra eléctrica no festival de Newport, dominado por puristas. Foi trovador e contestatário, judeu e católico. O sucesso perseguiu-o sempre, apesar de tudo. E, sobretudo, nunca procurou a bênção do "establishment" nem das massas, esta cultura populista que agora sufoca as sociedades ocidentais. Não deixa de ser curioso que o Nobel, tendo nascido como um prémio literário, tenha sobrevivido como um aval político. E, até aí, o prémio dado a Bob Dylan vai contra a cultura hegemónica. Mesmo parecendo o contrário.»
Fernando Sobral
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