«Despojada das suas velhas glórias (ser o farol da democracia ou o exemplo máximo da ética e da moral), a Europa passa a vida a apresentar queixas e culpados diferentes para os seus erros.
Julga-se uma deusa intocável e transformou o euro numa fé inquestionável. Por isso quem ofende os deuses de Bruxelas ou Berlim parece estar condenado às trevas eternas. É o caso da Grécia. A última reunião do Eurogrupo foi inspirada na história helénica. O tambor do "justiceiro" Wolfgang Schäuble voltou a ecoar. De fora escutou-se o FMI a pedir mais austeridade a um país anémico. Tudo porque Alexis Tsipras julgou poder retribuir algum esforço aos reformados gregos com um bónus neste Natal e supôs que era legítimo não aumentar o IVA nas ilhas do mar Egeu que têm carregado aos ombros o peso de receberem milhares de refugiados. Nada disso importa para as cegas e surdas autoridades de Berlim e Bruxelas.
Tal como os seus antecessores históricos, Tsipras está condenado para sempre. Prometeu foi acorrentado no cume do monte Cáucaso para que uma águia dilacerasse o seu fígado durante 30 mil anos. Sísifo teve de empurrar uma roda (que voltava sempre ao ponto de partida) até ao cume de uma montanha. As suas tarefas eram impossíveis. As de Tsipras também.
A Europa continua a alimentar alegremente os filhotes do populismo. A austeridade é um dogma, mesmo que isso implique a destruição económica e social e o surgimento dos extremismos políticos.»
Veremos como reagirá esta Europa esquizofrénica ao "boom" económico prometido por Donald Trump, contra a ideologia da pobreza e das "desvalorizações internas" que se tornaram o dogma de Bruxelas. E que tornaram a vida no Sul da Europa, a fronteira que tem filtrado e sido a trincheira da emigração que vem de África, um inferno. A Europa parece querer implodir por acção de quem se julga a voz dos deuses. É por isso que António Costa, sensatamente, não quer discutir agora a reestruturação da dívida. Com estes dirigentes, a conversa é de surdos. Até chegar Le Pen e Beppe Grillo.»
Fernando Sobral
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