«Muitos tentam acordar do pesadelo que foram os resultados das eleições americanas com a ilusão que vivem numa ilha imune ou que Trump Presidente não será o Trump nacionalista xenófobo da campanha eleitoral. Nada de mais ilusório, como se viu com a escolha de conservadores radicais para o seu governo que evidenciam o risco de sérios retrocessos nos direitos individuais e das minorias e no ambiente. (…)
Nenhum país parece estar imune ao contágio do nacionalismo identitário e ao revivalismo do conservadorismo religioso que o acompanha. Nenhum escapa a mais de uma década de desinformação sobre os muçulmanos, com a identificação abusiva do Islão com a violência, que facilita o sucesso do discurso xenófobo de Trump e dos populistas europeus. Portugal não escapou a esta retórica, como demonstra o recente estudo do Instituto de Ciências Sociais, segundo o qual os portugueses têm uma “maior resistência a abrir as fronteiras a muçulmanos”. (…)
Houve uma notável exceção europeia à ilusão da normalização de Trump. Angela Merkel anunciou os princípios e valores pelos quais julgaria a ação do Presidente eleito dos EUA, ao mesmo tempo que o seu partido afirmava a sua determinação em acelerar o desenvolvimento da política de defesa europeia, incluindo no domínio da dissuasão nuclear, como resposta à diminuição das garantias americanas.
Barack Obama foi à Alemanha depositar as suas esperanças em Angela Merkel e na sua capacidade para liderar a União Europeia e ser um fator de estabilidade da ordem internacional. Esta, porém, é uma tarefa difícil: não será fácil combinar as suas posições de princípio em matéria de valores com a imposição de austeridade que nega a justiça social, obstáculo à melhoria das suas relações com os países do Sul da Europa, onde poderia encontrar os melhores aliados.
A solução governativa encontrada em Portugal impediu que o PS tivesse o destino dos socialistas franceses, o que não deu, por enquanto, espaço ao aparecimento de uma alternativa populista e conservadora capaz de mobilizar os descontentes das políticas da austeridade e da globalização.
Para prevenir as consequências da mudança política nos EUA, o melhor é assumir que Trump será Trump e fazer novamente do combate pela democracia, pelos direitos individuais, políticos e sociais, a grande causa em que temos todos que nos empenhar.»
Álvaro de Vasconcelos
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