«Cícero comentou que, quando alguém ocupava um alto cargo de uma província romana, no primeiro ano de mandato roubava o que podia para saldar as dívidas adquiridas com o objectivo de conseguir o posto.
No segundo ano, roubava para enriquecer. E, no terceiro ano, delapidava o património público para subornar os tribunais por causa das acusações de corrupção. (…)
Ou seja, a corrupção não é uma sina ou um pecado de agora, como se observa, com mais ou menos provas, em Portugal. Há, claro, pequena, média e grande corrupção, típica de uma sociedade de favores, de condomínios privados de interesses e de uma pobreza secular.
O que admira em tudo isto é a pouca efectividade das condenações, a morosidade dos processos (como se a lei ajudasse a que se fossem esfumando), a incapacidade dos investigadores. São visíveis em Portugal casos que se vão arrastando nos tribunais (ou mesmo a nível da investigação) até que uma qualquer decisão se tome. É aí que a justiça se vai aniquilando a si própria, perdendo a sua imagem de supremo recurso de uma sociedade que assiste a desmandos sem fim. Pior, estamos a chegar a um ponto em que situações que aparentam crimes sonantes conduzem a becos sem saída. E que permitem a quem consegue ilibar-se de todas as suspeitas consagrar-se como mártir da justiça.
Talvez este seja o preço a pagar pelo triunfo de uma ideologia em que todos os meios justificam o fim pretendido, onde os valores morais são propalados mas não seguidos, onde quem ganha é o herói das massas. Mas não é isso que oxigena uma sociedade democrática que, julga-se, desejamos seja a nossa. A menos que democracia seja outra coisa.»
Fernando Sobral
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