«Há poucos dias o antigo imperador da política italiana, Silvio Berlusconi, surgiu na televisão a acariciar e a beijar um cordeiro, pedindo aos seus compatriotas que deixassem de comer carne na Páscoa, como é tradição.
No vídeo, ouvia-se uma voz: "Defendam a vida, escolham uma Páscoa vegetariana." A conversão de Berlusconi pode ser explicada por muitas coisas, até pelo facto de ele, em tempos, também ter sido um cordeiro sacrificado no altar na política europeia. Jeroen Dijsselbloem é, claro, um cordeiro mais difícil de digerir, até porque depois de tantos serviços à pátria que o ilumina, Wolfgang Schäuble já o veio perdoar dos pecados. Isso não invalida o profundo desconforto que este arrogante político holandês causou nos países que gostam mais de olhar para o Mediterrâneo do que para Bruxelas. O Governo português foi o primeiro a surfar a onda do descontentamento, perante o olhar mais silencioso de Espanha, Grécia ou Itália. Afinal, como se viu no conclave dos países do Sul, todos são do Sul, mas há alguns que o são mais do que os outros. França e Itália têm uma costela do Norte e não embarcam em grandes aventuras, até para continuarem a gozar de privilégios orçamentais que não são desculpados a Portugal ou à Grécia.
Por isso a própria política do Governo português face a Dijsselbloem é de máscara de Veneza. Fora do Eurogrupo pede a cabeça do holandês. Dentro dele o som que saiu da garganta do secretário de Estado que substituiu Mário Centeno foi um pio. O que se exigiu a Dijsselbloem foi uma espécie de imposto sem IVA. Ou então pode-se descontar este. Nada que espante. A política europeia exige valsas e óperas bufas. E muitas comédias dell'arte. António Costa sabe-o. Por isso não quer sacrificar Mário Centeno já, num qualquer embate no Eurogrupo. Centeno é um cordeiro político, fácil de ser um menu apetitoso para quem trincha a política europeia. Por isso não foi ao Eurogrupo para cruzar o olhar com Dijsselbloem. A Páscoa é um tempo de paz. Maiores guerras virão a seguir.»
Fernando Sobral
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