«A ansiedade acerca dos efeitos adversos da evolução tecnológica no emprego tem uma longa tradição histórica. Em 1811 um grupo de artesãos têxteis ingleses, autodenominados de “Luditas” (derivado do nome do tecelão de Leicester, Ned Ludd, que após ser condenado a chicotadas sob alegação de não demonstrar empenho no seu trabalho de tecelagem, desfez com um martelo a máquina em que trabalhava) destruiram máquinas de tecelagem como forma de protesto. Os Luditas temiam que o tempo gasto na aprendizagem do seu ofício fosse desperdiçado porque as máquinas substituiriam o seu trabalho na indústria. Em 1930, John Maynard Keynes propôs o termo “desemprego tecnológico” para denominar as perdas de emprego associadas à mecanização da agricultura, indústria mineira e manufatureira. Mais tarde, em 1964, o presidente Johnson dos EUA nomeou uma comissão para identificar e avaliar os impactos futuros na economia e no emprego do progresso tecnológico a ocorrer na década seguinte.
Mais recentemente, o forte e rápido avanço da tecnologia, nomeadamente associado a uma progressiva digitalização dos processos produtivos e ao uso intensivo da robotização e a inteligência artificial, trouxe novamente ao debate o impacto deste progresso não só sobre o emprego, mas sobretudo sobre a desigualdade na distribuição de rendimento e riqueza. A obra de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, publicada em 2014, The second machine age, é um bom exemplo da discussão atualmente em curso.
Não há dúvida que uma parte substancial das tarefas produtivas, da indústria ou serviços, poderá vir a ser automatizada, sendo este um processo que tem avançado a um ritmo sem precedentes. Não há dúvidas que os automóveis sem condutor serão uma realidade a médio prazo, ou que teremos supermercados vazios de empregados, onde apenas encontraremos clientes. No entanto, o impacto da tecnologia no mercado de trabalho depende do tipo de tarefas que aquela irá substituir ou complementar. Na primeira revolução industrial, a tecnologia substituiu o trabalho de artesãos (qualificados), em favor do trabalho manual (não qualificados). A “revolução” em curso altera quer a execução de tarefas manuais, quer cognitivas. Em ambos os casos, espera-se um maior impacto nas tarefas que obedecem a uma rotina, tarefas cujos procedimentos possam ser codificados, passíveis de serem programados através de um computador. No caso das tarefas não rotineiras, assentes em conhecimento tácito, intuitivo e relacional, dificilmente programável, a tecnologia poderá ser um complemento útil, aumentado a produtividade dos trabalhadores. Deste processo resultam ganhos acentuados, e crescentes, para as tarefas cognitivas que incidem em componentes analíticas e interpessoais, em contraponto às perdas de emprego associado a tarefas rotineiras.
A desigualdade futura será, assim, entre aqueles que possuem as competências que são complementares à tecnologia e os detentores dessa mesma tecnologia, por contraponto daqueles que terão de concorrer diretamente com a “máquina”. No entanto, não é obrigatório que no longo prazo observemos um declínio do emprego. O aumento do produto associado ao progresso tecnológico gerará um acréscimo de procura que implicará um aumento do emprego em setores já existentes ou em novas profissões. Este novo emprego será dirigido aos indivíduos com plasticidade das qualificações, obrigará à sua actualização continuada, flexibilidade e adaptação dinâmica a novas tarefas. A organização do processo produtivo será diferente, obrigando a novas formas de regulação das relações laborais. A globalização combinada com as recentes alterações tecnológicas poderá agravar assimetrias de ganhos ao nível intranacional, bem como acentuar a desigualdade entre nações.
A repartição dos frutos do progresso, enquanto princípio moral segundo o qual os benefícios de todas estas alterações tecnológicas devam ser partilhados de uma forma mais abrangente pela sociedade, e não apenas por aqueles que ocasionalmente detenham essa tecnologia, exigirá novas instituições e instrumentos de intervenção. Poderemos pensar em formas de distribuição de participação do capital ou acções na tecnologia para os indivíduos mais desfavorecidos, através de sistemas complementares de segurança social. Será necessário ainda que os sistemas de proteção social se coordenem entre países. Um rendimento único universal, um seguro de desemprego e um sistema de pensões europeus poderão ser uma necessidade num futuro próximo. A uma escala nacional ou regional é fundamental a adaptação dos centros de formação às necessidades de qualificações desta era de desenvolvimento tecnológico. As universidades devem ter um papel nesta re-qualificação, não só através da oferta tradicional, mas também através de formações específicas de curta duração, quer em contexto presencial, quer online (MOOCs, “massive open online course”). Melhorar a adequação entre qualificações e empregos passa ainda pela difusão de informação sobre as necessidades do mercado de trabalho.» (Os realces são meus.)
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