18.8.17

Nero e os tambores da guerra



«Donald Trump começa a parecer-se demasiado com o Nero dos tempos modernos. Tornou a Casa Branca a sede do seu império empresarial, mas o caos da sua administração ameaça fazer implodir as bases do sistema democrático americano.

E esta confusão constante tanto pode ser uma estratégia pensada como um desvario completo. Ninguém sabe. Fustigado pelo "establishment", Trump refugia-se nos que o elegeram no interior dos EUA. Contra as ameaças internas, fala de "fogo e fúria" atiçados na direcção da Coreia do Norte. São tambores da guerra a ecoar, para distrair os americanos dos problemas que não consegue resolver no seu território. Seneca, o conselheiro de Nero depois de este ter conseguido matar a sua mãe, Agripina, dizia que nenhum Estado pode ser tão mau que possa evitar que algum homem o sirva de alguma maneira. Seneca sonhava influenciar o poder, algo que os filósofos gostam de vislumbrar. Era um mestre da retórica e um dramaturgo. Foi ele que defendeu, numa empolgante carta ao Senado, que Agripina se tinha suicidado após ter tentado em vão fazer um golpe de Estado contra Nero. Este agradeceu-lhe na altura, mas não evitou que mais tarde, se tivesse suicidado após Nero o considerar o arquitecto de um golpe contra o seu poder. Que era então magnífico, entre festas e construções que empolgavam o povo. Tudo acabou com o incêndio que devastou Roma.

Trump, como Nero que insultava as elites romanas, utilizando a calúnia. Táctica antiga, a que hoje se chama "verdade alternativa". A pós-verdade do tempo de Trump é herdeira da de Nero: as fábulas confundem-se com a realidade. Mas o problema é que esta história começa a ter todas as condições para correr mal, como escrevia há poucos dias Gideon Rachman no Financial Times, que descrevia a hipótese de Trump embarcar para um conflito internacional para tornar as suas dificuldades internas. E citava um assessor de Trump, Sebastian Gorka, que disse à Fox News: "Durante a crise de mísseis em Cuba ficamos atrás de John F. Kennedy. Há analogias com essa crise. Precisamos de estar juntos." E, com uma guerra, os EUA poderão ficar atrás de Trump. A Coreia do Norte é problemática, e os generais que estão à volta de Trump sabem isso: um ataque contra Kim Jong-un poderia levar ao desaparecimento de Seul, porque seria impossível parar toda a artilharia norte-coreana. A Venezuela seria um alvo mais fácil. Ou o Irão, nunca se sabe.

Trump representa o triunfo do ressentimento sobre a esperança. Muitos americanos buscam algo que possam culpar pela sua crise: os mexicanos, a China, a União Europeia. Tudo serve para disfarçar os problemas estruturais com que os EUA se debatem hoje. Trump simboliza essas vozes. O seu discurso não vende em Nova Iorque, mas é comprado na Louisiana ou no Dakota. E é tudo isto que nos faz lembrar a República de Weimar nos anos 30. Os alemães não percebiam porque estavam pobres e eram humilhados. Antes da I Guerra Mundial eram o centro da inovação. Hitler aconchegou os seus medos. E o "establishment" convidou-o para o poder em 1933. Só saiu de lá à força.»

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