3.8.17

Vem aí o deserto



«Há quem diga que na política, quando se cria o deserto à volta do poder total, se chama a isso, erradamente, paz. Muitos líderes cometem esse erro e acabam um dia sem água para beber, porque os seus oásis se tornaram locais onde é impossível viver.

Os grandes incêndios deste Verão trouxeram a cor da cinza e a sensação de deserto. Não faltam recriminações nem guerrilha política. Mas falta aquilo que o poeta luso-árabe, nos idos do século XIII, de nome Abû Uthmân, descrevia assim: "Se viver é cruzar um deserto de morte/aborrecer tais prazeres é o meu norte." O clima está a mudar e se Portugal não se preparar, sem contemplações, para ele, este país será muito diferente dentro de algumas décadas. Sem uma política de reflorestação séria e inteligente, continuaremos a caminhar alegremente para o deserto. Se dúvidas existissem, elas vêm, preto no branco, no número de Outono da revista Science, num trabalho de Joel Guiot e Wolfgang Cramer, do Centro Nacional para o Investigação Científica de França.

Segundo as suas previsões, em 2090 as zonas mais secas terão avançado até meio de Portugal (até junto a Lisboa). As razões são simples: aumento das temperaturas, perda da cobertura vegetal devido a incêndios, tendência de erosão dos solos, abandono da agricultura tradicional e crescimento urbano. Ou seja, o Sahara deixará de ser uma miragem longínqua: estará mesmo aqui. Por isso, por razões ambientais, sociais e económicas, as grandes decisões que agora se puderem tomar acabarão por ter reflexos neste futuro que parece longínquo, mas que já está a bater à nossa porta. Junto ao abismo desta desertificação o poder político não pode continuar a inventar guerras de alecrim e manjerona para evitar as grandes decisões que poderão inverter, ou não, esta tendência desértica. Porque, com estas previsões, nem os negócios económicos à volta da nossa floresta sobreviverão. Porque nesse mundo a água será então o nosso petróleo verde. É por isso que muito do debate político a que se assiste parece patético e triste.»

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