«Em recente entrevista à TSF e ao DN, o ministro da Defesa Nacional veio dizer que, após os acontecimentos de Tancos, em finais de Junho, na verdade estamos na mesma. Após o mea culpa das chefias militares, de uma inaudita conferência de imprensa das chefias dos três ramos das Forças Armadas e do poder político, capitaneado por António Costa, Azeredo Lopes veio confirmar-nos, com aparente candura, que, no essencial, continua “em branco” quanto aos gravíssimos acontecimentos de Tancos. Em qualquer democracia responsável já haveria um completo apuramento do que sucedeu e de eventuais responsáveis. No nosso sui generis regime, tudo é diferente. (…)
Não quer o ministro embandeirar em “teses de conspiração”, mas lá vai dizendo que o material guardado nos paióis pode nem sequer ter sido furtado, mas a sua falta resultar de uma ausência de controlo do que aí é conservado, podendo até ter sido utilizado em exercícios militares sem se ter procedido ao respectivo abate cadastral. Se é exacto que a responsabilidade directa, em tal hipótese, é das chefias militares, o certo é que a responsabilidade política é ministerial e Azeredo Lopes não se pode comportar como um qualquer CEO. Sei bem que cada vez mais se pretende que a gestão da coisa pública se assemelhe a uma vulgar empresa. Mas não o é. Sobretudo no que tange à Defesa nacional.
Por rectas contas, o que o ministro nos veio dizer, com um ar plácido e como se aludisse à maior normalidade do mundo, é que num episódio tão preocupante e que pode colocar armas em circuitos ilegais, numa época em que a ameaça terrorista paira sobre todas as latitudes, é normal ele ainda não saber nada. O que demonstra a nossa capacidade secular de normalizar o anormal, comunitarizando as responsabilidades até ao ponto em que elas se diluem tanto que “a culpa morre solteira”.
Como cidadãos temos o direito de saber o que sucedeu em Tancos com todos os pormenores, nos limites do segredo de Estado. (…) Um ministro que não sabe o que se passa na sua casa perde credibilidade para tudo o mais. (…) Este é, para mim, o ponto mais saliente da sua entrevista — a naturalidade com que afirma o seu desconhecimento, numa espécie de “falta de consciência da ilicitude” (política). A máxima socrática do “só sei que nada sei” é uma prova de humildade intelectual que muito prezo, mas, neste específico caso e na gestão pública, arrisca-se a ser apelidada de incompetência.
Repare-se, por fim, que as declarações em causa não foram “infelizes”, mas parecem corresponder àquilo que Azeredo Lopes efectivamente considera adequado sobre Tancos. Não foram afirmações que saíram mal, antes um credo do modo como o ministro encara as suas funções. Assim sendo, nada mais há a dizer, excepto ressaltar que, por muito que se repita que o anormal é normal, a realidade impõe-se com a certeza de que depois de segunda-feira virá a terça. Não se leia aqui qualquer apoio ao regresso de Cavaco Silva ao mundo dos vivos, mas a verificação de que a realidade política é sempre mais imaginativa que a realidade do dia-a-dia.»
1 comments:
Vamos lá a ver se o Ministro não terá a sua razão. Eu já saí da tropa há perto de 50 anos mas nessa altura faziam-se acertos de muitas maneiras especialmente nos sitios onde havia guerra. Lembro-me bem dum acerto das contas de uma companhia que foram acertadas com uns bidões de gasolina e uma remessa de granadas de obuz, depois ardeui e explodiu aquilo tudo e as contas ficaram certas, Foi em Bissau no dia de Santa António de 1969. O foguetório começou às 3 da tarde em ponto. Portanto, nunca se sabe o que poderá ter acontecido.
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