«Barcelona, sábado, dia 21. A Mesa para a Democracia, composta por associações cívicas e pelas confederações sindicais (Comisiones Obreras e UGT), convocara "todos os catalães que acreditem na democracia e na defesa dos direitos fundamentais" a manifestar-se contra a prisão por "insurreição", no dia 16, de Jordi Sánchez e Jordi Cuixart. Os dois tornaram-se, juntamente com a presidente do Parlamento da Catalunha, Carme Forcadell, todos oriundos do mundo associativo, nas figuras mais odiadas e temidas pelo nacionalismo espanhol que irmana hoje o conjunto da direita e a maioria do PSOE. Foram eles que transformaram as seis últimas comemorações do Dia Nacional da Catalunha (11 de setembro) em manifestações pacíficas de cerca de um milhão de pessoas, sem um único incidente em nenhuma delas. Foram eles o rosto de um movimento cívico que nega qualquer possibilidade ao nacionalismo espanhol de impor esse discurso tão descaradamente populista que julga serem os cidadãos súbditos sem juízo político, e os presume sequestrados pelo "nacionalismo que controla a Catalunha há 40 anos" (esquecendo-se de que os socialistas governaram sete anos, e omitindo o facto decisivo de que quem governa em Madrid manda na Catalunha), o qual, através de uma escola doutrinária, os teria ensinado a "odiar" os espanhóis.
O centro da cidade está tão pejado de turistas, e tão tranquilo, como sempre – em contraste com o que os media espanhóis têm descrito. No final do colóquio em que vim participar, junto-me com colegas de Madrid à manifestação (450 mil pessoas, diz a polícia): famílias inteiras, muitos jovens, catalães de todas as origens que falam catalão e castelhano, poucas horas depois de Rajoy ter anunciado a suspensão dentro de dias da autonomia. "As ruas serão sempre nossas!", grita-se. Os meus colegas madrilenos não falam catalão e perguntam-se sobre o significado de um dos slogans: "Ni un pas enrere!" Ao nosso lado, uma mãe, acompanhada de dois filhos e do marido, traduz: "Nem um passo atrás!" Pergunta-nos de onde somos e, sabendo como os soberanistas catalães (favoráveis ou não à independência) são descritos em Espanha, mostra com o braço a multidão, os cartazes que reclamam a liberdade para os "presos políticos", muitos desenhados à mão ("Vocês não têm prisões para tanta dignidade"), vários em inglês ("Europe, are you blind?"), e diz: "Olhem para nós: somos os golpistas, os totalitários, os antidemocráticos... Por querer votar, apanhámos da polícia!"
Ao ocupar militarmente a Catalunha republicana em 1939, Franco revogou a autonomia. Restaurada em 1980, ela será agora suspensa. Todo o governo catalão, de cima a baixo, será demitido, todos os funcionários que não obedeçam aos delegados que Madrid lhes imporá serão processados disciplinar e penalmente. O Ministério Público já assumiu que prepara acusação contra Puigdemont que pode levar até 30 anos de prisão. Outros (ministros, deputados, autarcas) serão identicamente levados a tribunal. O Parlamento será dissolvido (ainda que a Constituição não dê tal competência ao Governo central), novas eleições serão convocadas com candidatos na prisão ou tratados pela justiça como golpistas – sem que tenham pegado numa arma ou tenham praticado violência alguma.
Não há negociação possível com insurretos, diz Rajoy. É por isso que, para "proteger a democracia", a direita espanhola, com o desolador apoio do PSOE (apesar da dissidência de grande parte do seu braço catalão) e o apoio (explícito ou embaraçado) dos governos europeus, suprime liberdades cívicas e poderes representativos autónomos, manda prender por motivos políticos, fomenta a politização da justiça (magistrados que se recusam a investigar violência policial do dia do referendo e a descrevem alucinadamente como resposta à resistência pacífica de quem queria votar...), envia dez mil polícias para "repor a convivência" na Catalunha, depois de, como denunciaram as organizações de Direitos Humanos, terem sido eles, ou grupos da extrema-direita, que se manifestavam pela unidade de Espanha com o PP, alguns socialistas e o indescritível Vargas Llosa, os únicos a protagonizar agressões e confrontos.
"A Catalunha é um assunto interno de Espanha." Pois, deve ser. Tanto quanto "internos" são os confrontos na Venezuela, os presos na Turquia e tudo quanto faz Órban na Hungria.»
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