[Republicação de um texto escrito em 15.11.2008.]
Desde ontem que estou para escrever sobre a morte de João Martins Pereira, mas tantos já o fizeram que me dispenso de referir mais detalhes ou de tecer mais elogios - merecidíssimos por muitos que sejam.
Conheci-o relativamente bem, não sei quando, nem sei como, certamente na década de 60. Em grupos que se faziam e se desfaziam, em alianças de esquerdas várias que ainda se degladiavam pouco, conspiravam muito, discutiam noites inteiras dentro de nuvens de fumo e se divertiam o mais que podiam (e que não era pouco).
Já em pleno PREC, numa das muitas manifestações que tinha acabado de sair do Terreiro do Paço, não sei se a caminho de S. Bento, se do República ou de um outro qualquer pólo de contestação, eu gritava, como toda a gente à minha volta, um slogan que falava de camponeses e de operários. Alguém, parado à beira do passeio, travou-me o passo, deu-me um abraço e disse-me: «Ah! grande camponesa!». Era o João Martins Pereira.
Lembrei-me da ironia daquele abraço, a propósito de um texto seu, publicado em 1980 na Gazeta do Mês, e que foi hoje recordado:
«A condição feminina é-me exterior, como o é, num outro plano, a condição operária, a mim, intelectual de extracção burguesa. Libertar-me do complexo de “não ser operário” não é distanciar-me do problema da exploração.»
Sempre lúcido e frontal, com uma ironia subtil, acutilante, um tanto ácida. Era assim o João.
.
.
0 comments:
Enviar um comentário