26.11.17

O nosso 1997



«Em 1997, sonhávamos com 1998. Os sonhos tinham encontrado a árvore das patacas e desse casamento, acreditava-se, nasceria um país cosmopolita, culto e, também, rico.

Lisboa ia ser redesenhada e a Expo 98 mostraria ao mundo que Portugal já não estava refém de um império com pés de barro. Grupos económicos portugueses renasciam, um dinâmico sector financeiro alicerçava-se, empresas como a PT e a Cimpor pareciam poder ser as nossas novas caravelas para conquistar o mundo. O velho sonho de Camões de que os portugueses poderiam ser deuses no lugar dos deuses ameaçava ser possível. A idade do consumo estabelecia-se e nada parecia poder opor-se à nossa nova saga para ultrapassarmos os novos cabos da Boa Esperança. A Europa chamava por nós. Mas, já então, nessa nossa inocente alucinação, estavam semeados os nossos cíclicos encontros com a realidade e com a nossa conhecida incapacidade de organização, de construirmos mais do que conjunturas radiosas, de ultrapassarmos a nossa incapacidade de definirmos projectos de longo prazo. Estava tudo na canção que representou Portugal no Festival da Eurovisão desse ano: chamava-se simplesmente "Antes do Adeus".

Não sabíamos, então, que estávamos a entrar numa crise profunda, típica da nossa vocação de Ícaros fora do tempo. O resultado é que agora somos uma sociedade mais desigual, social e geracionalmente, como consequência da recessão. Não sabíamos que trocaríamos a nossa disposição de conquistar o mundo por uma crise de confiança. Não sabíamos que o défice e a dívida voltariam não como farsa, mas como um cutelo. Não sabíamos o que nos custaria a falta de um projecto para Portugal, enquanto algumas elites se entretinham a aproveitar as benesses do Estado. Não sabíamos que nos iríamos equivocar no diagnóstico e que o resultado seria a austeridade e a fuga de uma geração de jovens quadros em busca de oportunidades noutras partes do mundo. Não sabíamos, em 1997, que todos os sonhos tinham sido trocados pelos nossos Midas: o ouro prometido haveria de se transformar em chumbo. Como sempre.»

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