José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«A proximidade com as eleições de 2019. À medida que se aproximam as eleições legislativas de 2019, os riscos de desagregação do acordo que mantém o Governo minoritário do PS aumentam significativamente. O principal factor é o adiamento de qualquer perspectiva de futuro para a chamada “geringonça”, sem nenhuma das partes ter uma ideia clara do que vai fazer, nem do contexto em que se vão realizar as eleições. Uma coisa pode, no entanto, dizer-se: a causa próxima do acordo PS-BE-PCP foi impedir que um governo PAF pudesse existir e continuar a política dos anos do “ajustamento”. A recusa por parte da esquerda do PSD e do CDS deu-lhe o cimento que permitiu até agora manter, apesar de todas as dificuldades, a unidade necessária para passar os documentos vitais para garantir o Governo PS.
Caso houvesse a convicção, com elevado grau de certeza (como se estava a consolidar até à crise dos incêndios), de que o PSD e o CDS não estavam em condições de tão cedo voltarem ao poder, isso fragilizava a “geringonça” porque alimentava as ambições competitivas de cada um dos seus partidos sem grandes riscos. Mas o efeito contrário também existe: sempre que o PSD e, em menor grau, o CDS podem parecer como beneficiários das dificuldades do Governo PS, aí a recusa da direita funciona de novo como cimento da esquerda.
O Orçamento de 2019 já será de enorme risco, em particular se todos os parceiros estiverem convencidos de que, ou têm ganho de causa em ir às eleições sem qualquer entendimento prévio, ou que, com entendimento ou sem ele, podem manter suficiente margem de manobra para renegociar, caso o PS não tenha a maioria absoluta ou mesmo torne de novo a não ser o primeiro partido.
Em todos estes casos, cada dia que passa sem haver qualquer ideia do que possa acontecer em 2019 — que ganha em ser pensado antes e não em cima da data, ou forçado por circunstâncias que serão sempre negativas, ou até por uma queda do Governo por falta de apoio parlamentar em legislação que o Governo e o Presidente entendam ser relevante —, o enfraquecimento da “geringonça” acentuar-se-á. A referência ao Presidente tem tanto mais sentido quanto este pode provocar a dissolução da Assembleia, se entender que o Governo deixou de ter o apoio parlamentar necessário. E, se o Presidente até agora acentuou o factor de estabilidade governativa como uma marca que queria associada à sua Presidência, no seu discurso a seguir aos incêndios e prévio à moção de censura do CDS sugeriu pela primeira vez que em momentos críticos o Governo precisava de legitimação parlamentar clara.
A avaliação do PS de que pode ganhar sozinho as eleições de 2019. Até à crise dos incêndios, havia muita gente no PS — e não estou certo de que se possa incluir António Costa nesse grupo — que estava convencida que o PS poderia ter com facilidade uma maioria absoluta sozinho. Por isso, não fazia sentido qualquer acordo pré-eleitoral com o PCP e o BE, na presunção de que estes estivessem disponíveis para o fazer. A atitude é em grande parte clubista: se se pode ter tudo, por que razão é que se parte para umas eleições já com o poder dividido por qualquer acordo? Se as coisas não corressem bem haveria sempre possibilidade de reeditar uma forma qualquer de acordo, como o que existe actualmente. Esses socialistas são típicos do hardcore dos partidos, em que a identidade partidária está acima de tudo, e são pouco dados a subtilezas políticas. No final, seguem as direcções partidárias e, por isso, a sua ambição de um PS sozinho pode transformar-se na mais modesta do “PS no poder”, sem dificuldades.
Há, porém, outro grupo de socialistas, com ligações a António José Seguro, que pensa que é mesmo contraproducente para o PS ter um acordo dessa natureza. Este mesmo grupo nunca verdadeiramente aceitou o mérito da “geringonça” e prefere que um PS minoritário faça um acordo com o PSD ou o CDS do que com o PCP e o BE.
Seja como for, a actual crise gerada pela sensação de que o Governo está a perder o pé, de que o Presidente se comporta de uma forma mais hostil, e de que a situação mais favorável para o partido e o Governo em termos económicos e sociais já está no passado, levou a uma significativa perda das expectativas mais optimistas para as eleições de 2019 e reduziu o potencial de crise da “geringonça” pelo excesso de optimismo.
A política “europeia” que o PS segue é um factor de instabilidade. Embora este seja um dos aspectos mais importantes da instabilidade estrutural que está sempre por baixo do Governo PS e, por extensão, da “geringonça”, merece uma discussão à parte.
A ideia de que o PCP perde com o acordo com o PS. Não sei até que ponto tem qualquer fundamento no interior do partido a ideia muito comum na comunicação social de que o PCP estaria convencido de que foi o acordo com o PS que teria levado aos maus resultados autárquicos, e que por isso o PCP estava muito mais reivindicativo e mesmo hostil com o Governo do PS para “segurar” a sua base. Se tem, ela é claramente errada, porque é difícil imaginar que qualquer militante do PCP ache que tem menos salários, pensões e direitos, por estar o PS no poder com o apoio do PCP do que se estivesse um governo do PAF. Ou sequer que pense que uma independência absoluta do PCP de qualquer acordo permitiria um ambiente reivindicativo mais favorável e, acima de tudo, que desses resultados. Não há razão nenhuma para se pensar que um eleitor comunista votasse no PS (e foi para o PS que se deslocaram os votos) por causa do acordo da “geringonça”.
Não foi o acordo com o PS que prejudicou o PCP nas autárquicas, foram erros do próprio partido, de linguagem, de pessoas, de preguiça e rotina onde se ganha há muito, e de política geral, que explicam os maus resultados do PCP. A “geringonça” ainda é neste momento um dos melhores “activos” do PCP.
A tentação do BE de ser um PS radical. Enquanto o PCP pode ser duro com o PS, o BE é antipático e faz tudo o que pode ser um irritante para a estabilidade política da “geringonça”. A política de reivindicar como seu tudo o que é adquirido de medidas positivas no âmbito governativo é muito injusta para com o PS e com o PCP, e muitas vezes está longe de ser verdadeira. Mas este tipo de competição com o PS tem razão de ser, dado que o BE lhe está muito mais próximo. A ala esquerda do PS comunica em quase tudo com o BE — temas, reivindicações, denúncias e vice-versa. O resultado é que o BE queria ser o PS radical e isso torna-o mais competitivo num terreno comum, e leva-o a declarações menos tratáveis. O PCP não tem um problema de confusão de identidade com o PS, o BE tem e, num certo grau, o PS também o tem com o BE. Esta proximidade gera maior competição.
O impacto ainda imprevisível de uma nova liderança no PSD. Não é ainda possível imaginar que impacto possa ter uma nova liderança do PSD nas dificuldades da “geringonça”. Tanto pode ter, como ser irrelevante. Em teoria, um novo líder tem sempre um estado de graça que pode tornar mais eficaz a actuação partidária. Mas a julgar pela actual campanha, não é possível ter grandes expectativas, tanto mais que não existe uma ruptura significativa com o passado dos anos do “ajustamento” e do “ir para além da troika”, nem com os factores de crise profunda que atravessa o PSD. O conflito de personalidades é evidente mas não chega para substituir o debate político urgente de que o PSD precisa mais do que tudo. A ideia absurda de se dizer que a campanha é para escolher o que melhores condições tem para ser primeiro-ministro e, ao mesmo tempo, voltar a campanha para dentro, para além de ser contraditória, esquece que a melhor maneira de mudar é sempre de fora para dentro, é ganhar na sociedade e levar esse ganho para dentro do partido. Mas o estado do PSD hoje não permite haver forças endógenas suficientes capazes de fazer essa transmutação. A “geringonça” por aqui não tem nada a temer.»
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1 comments:
Os partidos socialistas europeus estão finalmente a dar-se conta - viu-se há dias em Goteburgo, está-se a ver em Lisboa - que o "centrismo" neoliberal é chão que deu uvas. António José Seguro e Francisco Assis são cartas fora do baralho. Os eleitores que querem políticas neoliberais votam, e fazem bem, na direita. Nesta medida, concordo com Pacheco Pereira sobre as virtualidades de uma coligação negativa anti-PàF.
Mais difícil é uma proposta pela positiva que reuna algum consenso entre o PS, o PCP e o BE. Da necessidade de propostas progressistas ninguém duvidará, imagino, em nenhum dos três partidos. (Gostei de ver a palavra "progressismo" nos cartazes da reunião dos socialistas europeus em Lisboa). Agora o que cada um dos três considera progresso, e não mera resistência ou mera recuperação de direitos, é que pode dar lugar a todas as dúvidas.
Para o BE há o progresso - fácil, demasiado fácil - que se associa ás "causas fracturantes." Não será por aí que se mobilizarão votos ou que se negociarão alianças: moeda tão barata dá-se de barato, e enquanto se dá essa não se dá outra. Para o PS há - haverá? - a possibilidade de democratizar o regime na vertente política e económica, se se entender que um regime que não se torna mais democrático torna-se sempre menos democrático. Ver os socialistas europeus, e com eles os portugueses, a trazer para cima da mesa a questão da desigualdade autoriza alguma - não muita - esperança.
Mas o que pode ser considerado progresso para o PCP? Mais poder aos sindicatos? Como é que se "dá" poder aos sindicatos se os potenciais sindicalizados não o tomarem por si próprios? Muito dependerá, neste ponto, de como se comportarem nos locais de trabalho os jovens comunistas, os jovens socialistas e os jovens bloquistas. A definição do actual conflito na Auto-Europa segundo linhas geracionais, com os trabalhadores mais jovens a mostrarem-se mais radicais que os mais velhos, permite antever muita turbulência, mas também algumas das questões que estarão em causa em eventuais acordos futuros.
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