12.3.18

A desigualdade



«A investigação do ISCTE sobre a trajectória de um grupo de pessoas em situação de pobreza, em Lisboa, desde 2011, é lapidar: não é por trabalharem que as pessoas acompanhadas deixaram de ser pobres. A actual transformação de Lisboa, e o mesmo tem acontecido no Porto, com os processos de gentrificação e de especulação imobiliária, traduz-se em novos empregos, mas de baixa remuneração, e em dificuldades acrescidas de arrendamento a preços comportáveis.

Daí que essa transformação não possa ser reduzida a uma rápida reabilitação urbana e a uma economia mais pujante: este processo afasta para a periferia quem não consegue acompanhar a escalada dos preços das rendas e destrói as redes de vizinhança que ainda sobrevivem. Pior: as pensões que fecham e que reabrem como hostels retiram à Segurança Social a possibilidade de responder às necessidades de quem procura abrigo, como se tem verificado no Porto, onde estes casos se tornaram mais visíveis. A acumulação de riqueza num grupo mais pequeno distribui a pobreza por um grupo maior.

A pobreza sempre foi encarada em Portugal como uma espécie de fatalidade, à qual se respondia com comiseração e misericórdia, para culpabilização do próprio pobre. A evolução do país nestas quatro décadas de democracia, com a criação de novas políticas de combate à pobreza, não foi ainda suficiente para diminuir de forma considerável os seus índices. As prestações sociais do Estado, sejam elas pensões ou rendimentos de inserção para os casos mais extremos, também são insuficientes para fazer com que os idosos ou desempregados de longa duração deixem de fazer parte dos 18,3% de portugueses em situação de carência. Como diz Sérgio Aires, do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, as políticas públicas são positivas e surtem efeito até um certo ponto. Mas quem é pobre não consegue sair desse patamar aonde chegou, como se conclui da análise daquele grupo ao longo dos últimos sete anos. Estudos deste tipo, que nos traçam o percurso de um conjunto de pessoas, permitem perceber os solavancos da oferta de trabalho e a articulação, ou a falta dela, entre os serviços públicos do emprego e da Segurança Social. E uma das ilações possíveis é a de termos de ponderar novos tipos de respostas sociais, se quisermos deixar este patamar.

Combater as desigualdades, sejam elas quais forem, é função da política; é função de um Estado. E essa terá de ser sempre a primeira opção.»

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