«Diogo Piçarra desistiu do Festival da Canção depois da suspeita de plágio de uma música da IURD (que, afinal, parece que não é bem da IURD). O que me faz confusão é que a IURD teve a oportunidade de pôr um cântico seu no Festival Eurovisão da Canção e ganhar milhares de seguidores e deitou tudo borda fora. Devem estar fartos de crianças.
Por acaso, sempre pensei que o festival seria uma boa oportunidade para, por exemplo, as Testemunhas de Jeová concorrerem com uma canção. Seria uma das poucas hipóteses para poderem passar a mensagem sem que alguém lhes feche a porta na cara.
Para mim, o Festival Eurovisão da Canção sempre foi uma coisa à qual eu teria vergonha de levar os meus filhos. É uma feira dos enchidos da música. O Festival da Eurovisão sempre foi uma bodega, mas oficialmente acabou quando inventaram as cotonetes.
Em minha casa, não se falava de Festival da Canção enquanto os miúdos estavam acordados. E nomes como Capitão Duarte Mendes, "Neste Barco à Vela", dos Nevada, ou Tó Cruz e "Baunilha e Chocolate" eram ditos em código. Respectivamente, o - 28, 39 e o 3100 - a chave do código tinha por base a classificação obtida na Eurovisão.
Foram anos da habitual humilhação: Portugal ficava nos três últimos lugares e só o júri francês votava em nós, demonstrando que, afinal, os nossos emigrantes não estavam em França apenas a trabalhar nas obras e a lavar escadas. Alguns, com menos escolaridade, andavam lá fora como júris do Festival Eurovisão da Canção.
Durante muito tempo, a nossa participação resumia-se a enviar todos os anos um fado, ou semifado, sempre acompanhado de letras com caravelas e mar. Cheguei a pensar que um dia enviariam ao festival a Torre de Belém acompanhada à viola. Percebam uma coisa: ser Património Imaterial da Humanidade em termos musicais não significa muito e não dá votos. Lá porque o Douro Vinhateiro é Património Mundial da Unesco, ninguém se vai lembrar de inscrevê-lo nos ídolos.
De repente, os portugueses começaram a ligar ao Festival Eurovisão da Canção. A culpa é em grande parte, ou toda, do Salvador Sobral que, ao vencer no ano passado, deu cabo do saudável desprezo que tínhamos por aquilo.
No ano passado, aconteceu um milagre e vencemos a Eurovisão. Confesso que nunca imaginei. Até porque, desde a queda do Muro de Berlim, a competição passou a ser mais um jogo do risco do que um festival de música. É só estratégia e os votos são dados em função da letra da música e do equilíbrio geopolítico. Os votos variam entre a xenofobia e o bairrismo. Muitos países votam exactamente da mesma forma que votaram no ano anterior. Tanto faz, são países vizinhos ou alianças estratégicas, e eles votam nesses mesmo que, em vez de música, enviam um papa-formigas a bater chapa em calções.
Percebo que ter vencido a Eurovisão, de certa forma, nos obrigue a ser mais rigorosos nas escolhas das músicas que enviamos: queremos ficar bem vistos, mas não queremos vencer outra vez porque não temos dinheiro para organizar tudo de novo. Temos de escolher entre o sucesso no festival ou o regresso da troika. Pensem nisso.»
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