16.4.18

Estabilidades


«O que se está a jogar por estes dias é a escolha do Governo entre dar passos concretos no caminho desenhado pelos seus acordos parlamentares à esquerda e a hipoteca desse caminho em favor de uma gestão orçamental espartana para agradar à União Europeia e às agências de rating. A escolha é do Governo, sublinho. Manter a meta de défice de 1% para o ano corrente selada no Orçamento de Estado ou, quatro meses depois desse acordo, mandá-lo às malvas e usar a folga criada pelo bom desempenho da economia para encantar Bruxelas é uma escolha da maior importância, reveladora das prioridades do Governo. É uma escolha entre a estabilidade dos acordos à esquerda e o desprezo por eles. E é uma escolha entre a qualificação de tudo aquilo (na saúde, nas escolas, nos transportes) cuja desqualificação tem sido justificada com a falta de dinheiro e o agravamento da degradação desses serviços públicos.

É uma escolha, não é uma inevitabilidade – a meta de 1% para o défice foi acordada quer com os partidos de esquerda quer com a Comissão Europeia que, aliás, a aceitou com regozijo indisfarçado. Apertando a dimensão percentual de défice mais do que assumiu antes, o Governo escolhe não afetar mais de 500 milhões de euros à melhoria da vida das pessoas quando o podia perfeitamente fazer. Escolhe, portanto, manter a instabilidade do costume para as vítimas de sempre e favorecer a estabilidade da simpatia da Fitch ou da Moody’s.

Quando amanhã te vierem dizer que não há dinheiro para contratar gente para o teu serviço que está no osso, para apoiar o teatro da tua terra que vai acabar ou para teres finalmente o médico de família a que tens direito, lembra-te desta escolha. E não aceites que te falem de outra estabilidade que não seja a daquilo a que tens direito.»

José Manuel Pureza
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