28.6.18

Lisboa e as alforrecas



«Há alguns dias, António Costa disse, no Porto, que: "O crescimento do turismo não pode transformar as cidades num parque de diversão para adultos." Estimulado, acrescentou mesmo que: "O essencial não é restringir o turismo, mas aumentar a oferta de habitação para quem não é turista, caso contrário os turistas deixam de vir. Eles vêm enquanto as cidades têm vida e autenticidade, que é dada por quem lá vive."

Homer Simpson ou mesmo um marciano julgariam que as frases críticas assentavam que nem uma luva à política de Fernando Medina e de Manuel Salgado em Lisboa, que deseja transformar a cidade numa sucursal da Disneylândia. As frases, sensatas, resvalam na couraça da indiferença dos dois homens que já conseguiram que a Baixa da cidade deixasse de ter lojas históricas, que os bairros populares desfilem nas marchas com marchantes que vivem na Margem Sul e que o imobiliário se tenha tornado na política oficial da edilidade, à volta da qual tudo funciona. Agora até há uma mirabolante "cidade verde", que só se vislumbra a partir de uma máquina de realidade virtual existente num gabinete pós-moderno na Praça do Município.

Medina e Salgado têm transformado Lisboa em tudo aquilo que António Costa diz que não deseja. E que destrói, a prazo, o que diferencia Lisboa de Barcelona ou do Dubai. Há aqui, claro, uma síndrome de Hyde e Jekyll no PS, sabendo que Medina deseja ser líder do mesmo. A política habitacional da CML é feita de betão e de aquisições de casas por estrangeiros ricos, servidos por arquitectos modernos à altura das circunstâncias. É uma cidade de ficção, uma Cinecittà romana onde só se realizam "western spaghetti" à moda de Salgado. A Lisboa de hoje é o fruto daquilo que Oliveira Martins já vislumbrava em 1891: "Temos a consistência das alforrecas..." Esta nova Lisboa, pretensamente moderna, é um desastre. Com a consistência de uma alforreca. Fornecida por uma loja multinacional da Baixa.»

Fernando Sobral
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