8.7.18

A mãe de todas as cimeiras asneou



Francisco Louçã no Expresso Economia de 07.07.2018:

«Era para ser a cimeira do euro, nada. Era para ser um impulso político, nada. Era para mostrar ao primeiro-ministro italiano e aos de Visegrado a lei europeia, eles escreveram-na. Era para elevar ao pódio Macron e Merkel, mas dele pouco se viu, dela melhor não se visse, pois só tentou salvar a sua coligação estendendo pontes para a extrema-direita alemã. Não foi uma lástima, foi uma vergonha. Prometiam-se dirigentes de gabarito histórico e foi, nas palavras realistas de António Costa, “das reuniões mais horríveis em que estive”.

O resultado foi então atiçar as fogueiras. Euro, tudo igual, espera-se a próxima crise especulativa. Quanto aos refugiados, diz Costa que “eu não me recordo nestes anos que tenho estado aqui no Conselho de um debate tão difícil e onde tenha sido tão evidente as divisões que hoje efetivamente existem na Europa e que não vale a pena querermos disfarçar”. Nenhuma solução, só promessas que não chegam a ser planos e uma viragem chocante: Merkel promete agora “centros de trânsito” para prender os imigrantes e para os devolver ao país por onde entraram. Como pelo Báltico poucos chegarão a terras alemãs, isto significa agravar o braço de ferro com os países da fronteira sul. Parece arriscado? Vamos colher os frutos já nas próximas eleições europeias.


Eleições em Maio de 2019

As eleições europeias serão o epicentro da intriga e conspiração. A razão é simples, tudo vai mudar. Lembra-se de uma União Europeia com uma Comissão que resultava do acordo entre a direita democrata-cristã e o centro socialista e social-democrata? Pois esqueça. Um vendaval está a destroçar essa coligação e ninguém sabe como vai ficar o mapa europeu, a não ser que será pior.

Primeiro, a direita recompõe-se. O Partido Popular Europeu, chefiado por Merkel e albergando desde Viktor Orbán a Rui Rio e Assunção Cristas, está a sofrer uma cisão. Os partidos dominantes do grupo de Visegrado (República Checa, Eslováquia, Hungria, Polónia) podem formar uma aliança eleitoral, que atrairia a Frente Nacional francesa e a Liga italiana. Esta nova extrema-direita poderá vir a ser o segundo ou terceiro maior grupo europeu. Os seus apoios são vastos: em março, o ministro dos estrangeiros da China descreveu o grupo de Visegrado como a “força mais dinâmica na UE”.

No centro-direita, outra recomposição. Com pompa, Macron assinou um acordo para uma candidatura europeia com o Ciudadanos, que se vai estender a outros partidos. Juntando um novo polo europeísta, Macron pode ainda vir a absorver os liberais, podendo ficar assim com um dos maiores grupos parlamentares europeus. Os socialistas, que tanto o acarinharam, bem podem agora queixar-se do punhal nas costas: depois de ter destroçado o PS francês, Macron seduziu Renzi (cujo Partido Democrata deriva do Partido Comunista Italiano, integrando-se depois na Internacional Socialista) e sabe-se lá quem mais. Disputa com a extrema-direita o segundo lugar.


Ao centro e à esquerda novo mapa

Ainda ao centro, os partidos socialistas podem ter o pior resultado da história. O ‘Brexit’ levou o Labour, que tem boas sondagens, Macron levou a França e a Itália, na Alemanha os últimos resultados são os piores de décadas, na Holanda e noutros países o partido desapareceu. Se forem o quarto partido europeu, os socialistas podem ser afastados da Comissão. Novidade é Varoufakis, que também procura a ressurreição federalista mas parece ter desistido de se candidatar no seu próprio país.

Na esquerda, o grupo unitário do Parlamento Europeu dá origem a novas alianças (o Bloco, o Podemos, a França Insubmissa e partidos nórdicos) e a candidaturas nacionais autónomas (como a do PCP). Esse grupo crescerá nestas eleições e aproximar-se-á do peso dos socialistas.

Se a realidade dos votos confirmar este prognóstico, o mapa político europeu vira para a direita e extrema-direita, mesmo que também cresça o polo da esquerda. Não se engane, estamos mesmo no fim de um caminho. Por isso, escrevi no passado que a União Europeia é um projeto falhado, não acrescento nada ao que disse António Costa desta cimeira. Mas se o terramoto da vitória da direita se confirmar e se o centro se desagregar, a União deixa de ser viável na sua forma atual, neste equilíbrio ardiloso entre gigantismo financeiro e promessas democráticas. Esta montanha pariu a extrema-direita.»
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