10.7.18

Crónica de um relógio que deixou de dar horas



«Há mais de dois anos, precisamente em 1 de Julho de 2016, que foi publicada a Lei 18/2016, entrando imediatamente em vigor, tendo ficado estabelecido “as 35 horas como período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, procedendo à segunda alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho”. A qual indica que “o empregador público deve planear para cada exercício orçamental as atividades de natureza permanente ou temporária, tendo em consideração a missão, as atribuições, a estratégia, os objetivos fixados, as competências das unidades orgânicas e os recursos financeiros disponíveis”. Tendo aquele regime de horário de trabalho começado a ser aplicado à totalidade dos profissionais de saúde em 1 de Julho de 2018, houve tempo suficiente, mais precisamente dois anos, para analisar os efeitos da passagem das 40 para as 35 horas e para se proceder ao planeamento do que havia para planear, no caso a contratação do equivalente à diferença entre aqueles dois regimes horários. O dinheiro não dá para tudo? Faça-se o exercício da hierarquização das prioridades. Mesmo assim, a saúde ficou a meio da tabela, numa escala, vá lá, de 0-10? Tirem-se as consequências políticas porque há responsáveis políticos.

Ficar-se à espera dois anos para responder aos défices anunciados e suficientemente conhecidos, mau grado as proclamações quase diárias de contratações, é um acto inqualificável. As primeiras páginas dos jornais e a comunicação social em geral passaram a ser o espelho da constante degradação em que os serviços públicos de saúde se encontram. As ordens profissionais e os sindicatos do sector não param de criticar e de se opor ao que se está a passar no SNS. Os partidos de esquerda exigem constantemente a presença da tutela na Assembleia da República para lhes darem explicações sobre o que se está a passar no sector. A direita exulta e esfrega as mãos na expectativa de retirar dividendos eleitorais. A síntese desta situação é uma jóia feita em estilhaços.

E no entanto isto não tinha de acontecer. Bastava que este governo tivesse vestido a camisola do Serviço Nacional de Saúde. A diferença equivale a alguns mil milhões de euros pagos pelo orçamento do SNS às empresas privadas de prestação de cuidados de saúde pela transferência de utentes para as suas unidades. Os quais deviam ser utilizados no serviço público se fosse essa a camisola que o governo tivesse decidido vestir desde que tomou posse. Porém, foi deixando que a falta de vontade política tomasse conta do sector, sempre com o argumento dos compromissos, do défice e da dívida para satisfação da teoria dos dois hemisférios, tipo pataca a mim pataca a ti, até ao dia em que as patacas fiquem todas do mesmo lado. Já não se trata de irresponsabilidade, trata-se da intencionalidade à solta, favorecendo as peças do outro lado do tabuleiro.

Aqui fica registado, por isso, o desafio ao primeiro-ministro, o mesmo que rubricou os acordos com o BE, o PCP e o PEV, e que nas suas palavras deseja ver repetida, se não o conteúdo, mas pelo menos a fórmula que na altura se conseguiu alcançar, para colocar o dossier da saúde pelo menos entre as três prioridades para as quais é necessário encontrar uma solução, e desde já uma linha de orientação.» 

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