15.9.18

Não chega habilidade



Daniel Oliveira no Expresso de 14.09.2018:

«Não é a primeira vez que o CDS impõe o seu léxico político aos jornalistas. No caso da ‘taxa Robles’ é especialmente absurdo. Porque a criação de uma relação com o caso de Ricardo Robles, sendo compreensível no combate partidário, é falha de rigor. Nem se pode dizer que a medida é uma reação a essa polémica, porque lhe é anterior, nem se pode dizer que se aplicaria ao caso do edifício comprado pelo ex-vereador. Do que sei da medida, o Bloco de Esquerda propõe uma majoração fiscal sobre os lucros em venda de imóveis que não tenham sofrido qualquer intervenção. Não sei se a medida é eficaz e parece-me que o BE não a tinha suficientemente consolidada para a tornar pública. Sei que um partido não pode deixar que casos particulares de eleitos e respetivos e embaraços mediáticos determinem o abandono de propostas. Tinha de a manter.

Compreendo que o Governo faça saber que não concorda com uma proposta quando há notícias que indicam que a irá adotar. Mas o que aconteceu esta semana foi uma manobra manhosa baseada em insinuações falsas. E o seu autor mais prolixo foi António Costa. Não somos parvos e percebemos que a repetição, em todas as declarações, da expressão “pressa” servia para cavalgar a insinuação de que o BE tinha elaborado esta medida para se limpar do caso Robles. Ora, a intenção de avançar com esta medida foi comunicada ao Governo no fim de maio, numa reunião entre a direção parlamentar do BE e a secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares. Voltou-o a ser em junho, em reunião semelhante. E de novo em 19 de julho, numa reunião do BE com Pedro Nuno Santos, Mário Centeno e os seus secretários de Estado. Desde então houve conversações com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com troca de informação para chegar a uma boa solução. Isto acontece com esta e com muitas outras medidas já anunciadas pelo Governo e pelos partidos que lhe dão maioria. Nada explica a violência de Costa. A proposta foi referida em conferência de imprensa de Pedro Filipe Soares, a 25 de julho. Tudo antes do caso Robles. Ou Centeno e Nuno Santos não falam com Costa ou ele sabe, desde antes do verão, que isto está a ser conversado. O que quer dizer que teve meses para tentar perceber a proposta, contribuir para ela ou deixar claro que era contra. E que sabe que ela não foi uma reação a Robles. E se o sabe, é feio insinuar o oposto.

Fui defensor empenhado desta solução política muitos anos antes dela acontecer. Elogiei António Costa pela coragem de quebrar um tabu de meio século. Mas o último ano tem sido uma desilusão. Há meses que Costa tenta dar um golpe fatal ao aliado a quem pensa ir buscar os votos para uma mirífica maioria absoluta. E vê no tema ‘Robles’ uma oportunidade única que agora tenta aproveitar. Os repetidos sinais de deslealdade levam-me a concluir que, para Costa, este arranjo nunca teve outro objetivo que não fosse a sua própria sobrevivência política. Se não quer enfrentar a tragédia que se está a espalhar pela Europa, Portugal precisa de uma alternativa ao neoliberalismo. Isso depende da existência de um entendimento estratégico à esquerda. Se não o conseguir, o PS seguirá o caminho dos seus congéneres europeus. Costa percebeu-o num momento de desespero. Mas a habilidade que teve a construir esta solução não corresponde a uma visão política para a consolidar. Para ele, isto é só tática. Para ser mais do que isso, terá de vir uma geração consciente do momento tremendo que vivemos.»
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1 comments:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

«Para ele isto é só táctica.» E é nisto que reside a tragédia, para ele ou para nós. Porque se a táctica não se traduzir em estratégia, o PS não terá feito mais que adiar a sua pasokização.