«O deputado eleito nas listas do PS considera que é mesmo importante baixar a factura da luz às famílias. Também discorda do Governo em termos estratégicos: se depender de Paulo Trigo Pereira, os superávits preconizados pelo executivo socialista bem podem esperar...
António Costa deixou na entrevista à TVI que não se confirma a descida do IVA da electricidade neste Orçamento. O primeiro-ministro admitiu que a factura da luz talvez desça, mas por outras vias. Concorda com esta opção?
O preço da electricidade em Portugal é dos mais caros da Europa e o peso dos gastos da energia nos orçamentos das famílias portuguesas também é muitíssimo elevado. Temos que reduzir isto. A questão é que uma baixa da taxa do IVA teria uma repercussão orçamental brutal. Está na taxa máxima. Mesmo que fosse para a intermédia teria uma implicação brutal e depois teríamos que ver como iríamos financiar isto, se era com aumento de impostos, se era de outra maneira.
O objectivo é reduzir os encargos que as famílias e as empresas têm com a energia e há várias maneiras de o conseguir. Uma é retirar da factura que as famílias pagam componentes que não têm nada a ver com a energia. Por exemplo, a taxa de ocupação do subsolo. Há uma série de rendas que estão nos chamados CMEC que vão para municípios e que deviam ser as empresas a suportar e que são repercutidas nos municípios. A ideia, que já está contemplada no Orçamento do Estado anterior, é que esses custos não devem estar na factura. Ainda por cima os municípios têm liberdade para definir esta taxa, a da ocupação do subsolo, que é o direito de passagem, se quiser. Há taxas inacreditáveis que estão a ser praticadas. Outra questão essencial é pensar nas famílias mais carenciadas e na tarifa social de energia que está muito pouco implementada. É um direito que as famílias têm, mas, por desconhecimento ou por outra razão qualquer, o facto é que há relativamente poucas famílias a aderirem à tarifa social de energia. Se calhar, tem que se simplificar os mecanismos burocráticos.
O economista Ricardo Cabral, que conhece muito bem, escreveu há dias no PÚBLICO que provavelmente pela primeira vez desde 1973 poderíamos ter défice zero em 2018, a anunciar em 2019, ano de eleições. Paulo Trigo Pereira manifestou-se contra a redução tão acelerada do défice.
Eu acho que não vamos ter défice zero, até porque existem as chamadas medidas “one-off” que têm a ver com capitalização. Mas sim, podemos vir a ter um défice de cerca de menos 0,2.
Tecnicamente é zero.
Já agora, as décimas do défice são geríveis pelo Ministério das Finanças. O ministro das Finanças, com o grau de liberdade que tem nas cativações, na reserva orçamental, na dotação orçamental do Ministério das Finanças, pode ajustar — entre duas e três décimas é perfeitamente ajustável. Acho que não será zero, haverá algum défice, à volta de -0,2% sem medidas extraordinárias. Se eu concordo que o défice vá a zeros? Discordo. Aliás, eu e Ricardo Cabral, meu estimado amigo e colega, fizemos um livro, mais dois investigadores, em que defendemos algo que não se fala e que é a coisa mais importante que se devia estar a discutir neste momento, que é o objectivo de médio prazo para as finanças públicas. Ou seja, para onde queremos prosseguir? Vamos continuar a reduzir o défice eternamente? Isto devia estar a ser discutido, porque está a ser discutido agora a nível europeu e vai ser deliberado no início de 2019. E se o objectivo de médio prazo para as finanças públicas — ou seja, o saldo que devemos atingir no médio prazo — continuar a ser o que está agora, que é de mais 0,25% do PIB, temos que continuar a apertar o cinto até 2022-2023.
A razão que nos levou a escrever o livro é que nós achamos essencial rever isto. Mário Centeno vai ter um papel, enquanto líder do Eurogrupo, nesta matéria. Isto não deve ser só para Portugal. Os tratados, o Programa de Estabilidade, a Lei de Enquadramento Orçamental, falam sempre de um défice de -0,5%. Depois há a regra do -3. Isto é absolutamente crucial para Portugal e para o próximo Governo, já agora, que isto seja revisto em baixa. O que acho razoável, e é aquilo acho expectável, é que este ano o défice sem medidas extraordinárias ande à volta de -0,2 e para o ano a mesma coisa. Chegámos ao limite da redução do défice que é perfeitamente sustentável do ponto de vista da dinâmica das finanças públicas e da dinâmica da dívida pública. Nós não precisamos de continuar a apertar, apertar, apertar o cinto.
E não estamos já a apertar demais?
Não. Estamos a apertar aquilo que é necessário, porque obviamente esta política que o Governo tem seguido de redução do défice tem trazido imensos benefícios para os portugueses. Vamos ver o que se vai passar em Itália. Os italianos, coitados, que têm este Governo, estão a ter objectivos para o défice muito mais ambiciosos do que a União Europeia quer. E as consequências que isto já está a ter no mercado da dívida pública é uma subida brutal dos juros das obrigações do Tesouro italiano. O que significa que, se retirarmos os juros que vão pagar a mais em relação ao défice que vão ter, não sobra nada. Eles vão perder reputação internacional e vão pagá-la com juros mais elevados.
E não nos podia acontecer o mesmo, se, seguindo o seu conselho, o Governo assumisse desde já que nunca iria chegar a um excedente orçamental de 0,25 e iria ficar sempre naquilo que era o défice proposto para os próximos dois anos?
Não, não acontece isso, porque um défice de -0,2 no contexto europeu é perfeitamente razoável e leva a uma redução da dívida pública ao ritmo que as regras comunitárias exigem. Portanto, essa questão não se coloca. Mas eu não vejo isto do ponto de vista exclusivamente português. Acho que isto se devia começar a discutir para pressionar para que a nível europeu essa decisão seja tomada, não apenas para Portugal, mas para todos.
É bom ou mau que Mário Centeno seja presidente do Eurogrupo?
É bom. Eu acho que Mário Centeno não pode obviamente no Eurogrupo defender casos particulares, muito menos o caso particular português. Mas há margem para interpretar e rever as regras do tal objectivo de médio prazo.
Acha que o ministro das Finanças está mesmo interessado em rever esse objectivo?
Eu acho que... (pausa) qualquer pessoa, e o ministro das Finanças incluído, que esteja interessada em criar condições de estabilidade para uma próxima legislatura — e nomeadamente com um Governo PS — deve estar interessado nisso. Eu percebo a sua pergunta... Implicitamente o ministro das Finanças estará dividido nos seus dois papéis.. Claro que está, claro que está.
Há dois Mários Centenos neste momento?
Há dois Mários Centenos, o líder do Eurogrupo e o ministro das Finanças. Agora, eu acho que é possível conciliar os dois Mários Centenos. Esse é o meu ponto. E a conciliação possível, que beneficiaria a Europa e não só Portugal, já agora, é solicitar que países tenham objectivos para as finanças públicas razoáveis. Mais: eu acho que o caso italiano, paradoxalmente, vai dar mais força ao caso português. A Comissão Europeia e o Eurogrupo vão ter aqui um bico de obra. O que vão fazer a Itália, que apresentou um orçamento que à luz das regras comunitárias é inaceitável? Ainda estamos na fase da diplomacia., mas há-de chegar o dia da verdade. Quando for aprovado o orçamento no parlamento italiano e o dia da verdade chegar, vamos olhar para o défice que lá está. E imagine que o défice é 2%. Vai contra as regras comunitárias. O que se passa em Itália tem paradoxalmente efeitos positivos e negativos em Portugal. Tem efeitos negativos porque não estamos completamente isentos de contágio.
O positivo é que nas negociações à escala europeia temos toda a legitimidade de dizer: ‘Ó meus amigos, então vocês aceitam — porque vão ter que aceitar — este défice italiano e estão aqui a exigir a Portugal ter um excedente primário de quase 4%?”. Nós não temos divergências com o Governo relativamente a 2019, mas para 2020, 2021 e 2022 temos. Do ponto de vista económico, do impacto na economia, na dinâmica da dívida, etc., manter um défice pequeno — perto dos 0,2% é perfeitamente suficiente.»
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