16.10.18

O populismo fascista só está a começar



«A banalização do termo “populista” atrapalha mais do que ajuda à clareza de análise. É uma bagunça: Jimmy Carter diz-se populista, Salvini também. Em todo o caso, populista passou a ser uma designação adversarial, identificando alguns estilos mais do que a política (Mussolini, Ghandi, Perón, Samora, Sanders ou Trump fariam todos parte desta categoria). Assim, é uma mistificação, aliás intencional, apresentando o centro e a direita como o único lugar do respeito, o do liberalismo. Nessa narrativa, o que fica de fora da fronteira institucional é populista. Por mais deficiente que seja esta fábula (os populistas europeus nasceram na solene direita clássica de ontem; Orbán era o protegido de Kohl; a Liga de Salvini esteve no Governo com Berlusconi; Merkel e Macron pagam a Erdogan para prender imigrantes), ela é uma arma de confusão maciça.

Acrescento que entendo que o populismo mesmo é uma máquina social ao serviço da direita. E, em concreto, que o único populismo realmente triunfante foi o fascismo. Teve base de massas, uma ideia de liderança, um inimigo social, uma linguagem e uma forma de política. Já a conhecemos e é agora o risco brasileiro.


Bolsonaro, um fascista ainda sem fascismo

Bolsonaro pode ganhar a segunda volta das eleições presidenciais se ampliar um pouco que seja a base do ódio – e os partidos e arautos do centro vão favorecê-lo, depois do colapso histórico que os marginalizou.

Mas Bolsonaro tem dois problemas maiores se triunfar. Primeiro, é um fascista numa sociedade que só se fascistiza desde há pouco. Ainda pode lá chegar, o turbilhão do ódio cavalga depressa. Pessoas ameaçadas na rua por milicianos, deputados eleitos por terem destruído uma homenagem a Marielle, assassinada há poucos meses, violência religiosa como norma política, tudo isso é fascismo a espreitar. Mas falta muito, falta o poder absoluto, a censura da imprensa, a proibição dos partidos, a marreta antioperária, a repressão das universidades, o endeusamento do chefe. Bolsonaro quer tudo isso, mas só o pode conseguir com a força dos militares. E se pensa que os generais aceitam o poder de um capitão de quermesse, que em trinta anos de paisano como deputado só assinou duas leis, está enganado. Querem dele o mandato constitucional, mas se o poder precisar dos militares os militares mandarão. Golpe dentro do golpe ou simples jogo de poder, serão os militares e não os rufias a comandar o regime bolsonarista se ele ganhar.

Um governo deste jaez tem ainda outra implicação. Precisa de precipitar uma comoção. Um governo populista-fascista precisa de inimigos e de cheiro a pólvora. Um ataque à Venezuela passaria a ser possível numa estratégia da coligação militar-bolsonarista. Seria o alvo óbvio, com a vantagem de criar um laço com Washington. Num regime em desagregação, como o brasileiro, um fascista só se impõe com golpes de teatro e de canhão.


O populismo pode ser vencido?

Só que a segunda volta está em disputa e, se Haddad fosse capaz do mais difícil, mobilizar os milhões de pobres que não foram votar, ainda poderia virar a mesa. Do outro lado tem uma tremenda força social: a burguesia brasileira é patrimonialista, oligárquica e escravocrata, não hesitando entre a democracia e qualquer forma de autoritarismo, se entender que assim protege a desigualdade tão extremada e por isso perigosamente evidente. Para os donos do Brasil, pobre na universidade é sacrilégio, empregada doméstica com salário mínimo é afronta, respeito pelas pessoas é atrevimento. O alinhamento desta ‘elite’ é uma lei da natureza, e os que ainda se espantam com a vitória eleitoral de Hitler na pátria de Beethoven e Bach não perceberam a realidade da vida: em tempos de crise os que mandam recorrem sempre à força bruta para impor o silêncio.

Há ainda mais no mundo populista. Os tempos brasileiros, e não é só por lá, têm promovido uma classe de conselheiros Acácios, videirinhos que singram nos favores, e que aprenderam que o poder se alcança com o medo. A forma ideal da sua campanha é o fervor, a intriga, a corrupção do debate eleitoral, é a política suja nas redes sociais. Como eles estão a inventar à nossa frente, a política mudou com Modi, Duterte, Trump e Salvini, agora continua a mudar com Bolsonaro.

Nessa tecnologia, a democracia vai perder sempre. As redes da modernidade eram os sindicatos, o partido e a conversa, ou a mediação da comunicação social, agora as redes alimentam-se de pavor e são fluxos irremediáveis, portadores de novas formas de poluição. Não se volta atrás, mais vale que a esquerda se prepare, mas não será hoje. Só há por isso uma alternativa para contrariar o fascismo bolsonarista: trazer a alegria para a rua. Só se pode ganhar-lhe com a alegria e a cor do povo, é aí que mora a confiança que falta. Como é preciso abrir uma página nova, mais vale então romper com o passado e buscar essa confiança. Ainda pode chegar esse cheirinho de alecrim que tanta falta faz ao Brasil.»

Francisco Louçã
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